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quinta-feira, 6 de setembro de 2018
O incêndio do Museu Nacional, a cultura e a leitura | FETICHE LITERÁRIO
Descrição:
Nesse domingo (2), ficamos sabendo de uma das maiores tragédias em relação à Memória, à História e à pesquisa no Brasil: nosso museu nacional, de 200 anos, pegou fogo. Ao que tudo indica, isso aconteceu por falta de verbas para fazer as reformas na fiação da estrutura. Como podemos viver em um país que não destina suficiente verba para educação e cultura? O que nós, booktubers, temos a ver com isso?
Caio Fernando Abreu: assista a um trecho do conto "Lixo e purpurina"
No mês em que Caio Fernando Abreu completaria 70 anos, A Companhia das Letras convidou leitores a lerem seus textos, reunidos agora em "Contos completos": http://bit.ly/2Lg8WRD
Leitor: Thomas Pontes Chequetto
Trecho: 'Lixo e purpurina', de "Ovelhas negras" (1995).
“Chorar por tudo que se perdeu, por tudo que apenas ameaçou e não chegou a ser, pelo que perdi de mim, pelo ontem morto, pelo hoje sujo, pelo amanhã que não existe, pelo muito que amei e não me amaram, pelo que tentei ser correto e não foram comigo. Meu coração sangra com uma dor que não consigo comunicar a ninguém, recuso todos os toques e ignoro todas as tentativas de aproximação. Tenho vontade de gritar que esta dor é só minha, de pedir que me deixem em paz e só com ela, como um cão com seu osso.
A única magia que existe é estarmos vivos e não entendermos nada disso. A única magia que existe é a nossa incompreensão.”
quarta-feira, 5 de setembro de 2018
MUSEU NACIONAL EM CHAMAS!!! (e daí?) | Canal do Slow 59
O Museu Nacional pegou fogo. Por que isso é um grande problema para todos?
terça-feira, 4 de setembro de 2018
Museu Nacional: De dinossauros nunca identificados a línguas extintas, o que a ciência perde com o incêndio
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-45404257
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[Paleontólogos lamentam a perda de amostras raras - caso de um fóssil quase completo de um pequeno crocodilo - que ainda seriam identificadas]
"Eu preparei esse fóssil durante dois anos. Mas, agora, pode ser que a gente nunca saiba que animal era esse", disse à BBC News Brasil, com voz chorosa, a paleontóloga Beatriz Hörmanseder, uma das cientistas cuja pesquisa foi perdida no incêndio do Museu Nacional, no Rio de Janeiro.
Ela se refere a um fóssil de um pequeno crocodilo que viveu no Brasil há 70 milhões de anos, na região da Chapada do Araripe, no Ceará. Ela tentaria determinar, como parte de seu mestrado, a qual espécie pertenciam os ossos.
"Havia grande possibilidade de ele ser uma espécie nova", lamenta.
"É raro para nós encontrarmos o fóssil completo de um animal, para compararmos com outros fósseis existentes. Esse exemplar tinha coluna vertebral, uma perna, um braço e parte do crânio, dentes pequenos e afiados. Era lindo. Tenho fotos, mas não é a mesma coisa."
O fóssil estudado por Beatriz chegou a ser comercializado por traficantes de fósseis da região, conhecidos como "peixeiros", mas foi apreendido pela Polícia Federal e passou a integrar o acervo do Museu.
Ele ainda não havia sido nomeado e identificado. Antes disso, precisava passar por uma preparação mecânica e química para ser manuseado - até porque, havia sofrido modificações feitas pelos tranficantes, para vendê-lo mais caro.
"Ainda tenho alguma esperança de que ele esteja lá, já que ficava na Ala Sul, que pegou fogo por último. Mas eu usei uma camada de resina para protegê-lo, que não suporta temperaturas muito altas. Os ossos também são muito frágeis, se dilatam e se estraçalham no calor."
Administrado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o Museu Nacional tinha um dos mais ricos acervos de antropologia e história natural da América Latina, com mais de 20 milhões de itens.
Muitos deles eram exemplares únicos, como fósseis humanos e de dinossauros, múmias e utensílios de civilizações antigas.
Como parte da universidade, a instituição abrigava a produção acadêmica de dezenas de pesquisadores vindos de todo o país, nas áreas de botânica, zoologia, linguística, arqueologia, antropologia social e geologia.
[Fósseis e esqueletos no acervo do Museu ainda precisavam ter dados revisados e descritos - espécies novas provavelmente estão entre as perdas]
Muitas das pesquisas, no entanto, dependiam da consulta ao acervo do Museu que foi parcialmente destruído pelo fogo.
Além de fósseis como o do pequeno crocodilo pré-histórico, registros de culturas indígenas extintas no país e coleções inteiras de animais brasileiros podem ter se perdido. E, com eles, parte da produção científica do país.
Animais perdidos antes de serem identificados
O biólogo Geovane Souza foi de Londrina, no Paraná, para o Rio de Janeiro, para perseguir o sonho de trabalhar com dinossauros no Brasil.
"Era o que eu queria desde criança, e só poderia fazer isso no Museu Nacional", disse à BBC News Brasil.
Ele gosta, em especial, dos grandes herbívoros Titanossauros, que chegavam a ter seis metros e altura e 20 de comprimento - e foram os maiores, já descobertos, a habitar a América do Sul.
No Brasil, foram descobertas onze espécies da família de titãs, como o Adamantissauro, o Brasilotitan e o Maxakalissauro - este último, exposto no Museu Nacional.
Em seu primeiro ano de mestrado, Geovane preparava o terreno para estudar a fundo fósseis de titanossauros recuperados no Mato Grosso, nas margens do rio Confusão, em expedições de 2003 e 2006.
"O sítio de onde eles vieram era um aglomerado de vários indivíduos que morreram e cujos ossos ficaram juntos. Já sabíamos que entre eles havia pelo menos uma espécie nova de Titanossauro, mas poderíamos ter até três", explica.
Geovane iria analisar as ossadas para conseguir informações como a velocidade em que estes animais cresciam, sua dieta e sua idade quando morreram. Durante um ano, ele preparou lâminas com finas fatias dos ossos, que seriam examinadas no microscópio.
Nesta terça-feira, seguindo seu cronograma de produção, ele começaria a fotografá-las. O incêndio significa que ele não tem nenhum registro do material.
"A coordenação do curso já disse que vai me amparar legalmente, mas não dá para continuar minha pesquisa, porque não tenho mais material", afirma.
[Titanossauros brasileiros Austroposeidon, Maxakalisaurus e Gondwantitan, cujo 'retrato familiar' era montado por bióloga com o acervo do Museu Nacional]
Pelo menos um terço das quase 30 espécies de dinossauros descobertas no Brasil, segundo Geovane, estava no Museu. Ainda não se sabe o que pode ter sobrevivido ao fogo.
"É fundamental que as pessoas saibam que aquela instituição não era só um local para a visitação. Ela trazia muito para a ciência brasileira. E esse erro também é dos cientistas. Nós não divulgamos isso o suficiente."
Família de dinos gigantes que ficará incompleta
Na noite do incêndio, a bióloga Kamila Bandeira permaneceu do lado de fora do Museu Nacional até 1h da manhã.
Em 2016, Kamila conclui seu mestrado, que era a identificação do maior dinossauro já descrito no Brasil até hoje, o Austroposeidon magnificus. Hoje com 28 anos, está vinculada ao museu desde os 14, quando começou um estágio voluntário de iniciação científica no setor de paleovertebrados.
Kamila agora está desenvolvendo sua tese de doutorado, que ela descreve como um "retrato de família" dos Titanossauros, grupo ao qual pertencem dois dos dinossauros do Museu Nacional, provavelmente destruídos: o Maxakalisaurus topai e o Gondwanatitan faustoi, "um nanico", segundo descreve.
Sua pesquisa pretendia descrever a relação evolutiva entre os dinossauros desse grupo, com foco nos da América Latina. "Será que os brasileiros eram mais aparentados entre si? Estudos prévios já tinham mostrado que o Gondwanatitanera mais próximo de espécies da Argentina, por exemplo."
Kamila estava investigando outros titanossauros em outras instituições. Tinha deixado o Maxakalisaurus topai e o Gondwanatitan faustoi por último porque eles "eram de casa".
"Não sei quantas informações novas precisariam ser atualizadas dessas espécies, e talvez o mundo nunca saiba. Muita coisa sobre a anatomia desses animais ficou em branco. Faz muito tempo que eles foram descritos."
"Agora não vou ter um retrato de família completo. Vão faltar integrantes."
Insetos únicos no mundo
Para pesquisadores de áreas como a entomologia - o estudo de insetos -, a perda de espécimes (peças individuais) de borboletas e besouros que estavam no Museu também é considerada catastrófica, mesmo que eles ainda existam na natureza.
"Alguns dos espécimes que estavam lá foram usados para descrever aqueles animais pela primeira vez. Isso quer dizer que qualquer pessoa que está estudando estas espécies tem que revisar aquele exemplar inicial", explica o entomólogo Marcus Guidoti à BBC News Brasil.
[Perda de coleções de insetos abrigadas pelo Museu podem prejudicar pesquisas para além do Brasil]
"Se perdemos esses exemplares, mesmo que tenhamos fotos, a identidade dessas espécies fica inacessível na prática."
Marcus é especialista em uma família de insetos chamada Tingidae, que tem algumas espécies usadas como controle natural de pragas agrícolas em países como a Austrália.
O Museu Nacional abrigava uma coleção de insetos que, segundo ele, era uma das melhores do mundo.
"Vi muitas coleções em outros países e posso garantir que parte daquele material só era encontrado aqui, na coleção Oscar Monte. Todo mundo que tinha dúvidas precisava ir lá ou mandar o material para lá. Não sei o que vamos fazer agora."
A informação é corroborada por outros especialistas como Simeão Moraes, entomólogo e pesquisador da Unicamp, especialista em mariposas e borboletas. "Ali havia espécies raras, coletadas em ambientes que já não existem mais, provavelmente até extintas, o que torna essa perda irreparável."
De acordo com as informações que circulam entre os pesquisadores, os armários onde ficavam as coleções de insetos se quebraram e foram queimados quando o terceiro andar, onde estavam, desabou.
[Andar onde ficavam insetos e outros animais invertebrados no Museu desabou; acervo pode ter sido completamente destruído]
"Oscar Monte, o autor da coleção, faleceu na década de 1940, e desde então não havia surgido no Brasil ninguém que trabalhasse com essa família de insetos de forma consistente. Eu sou o primeiro", afirma.
"Por isso, minha pesquisa foi muito afetada. Eu dependo muito de coleções de referência como aquela. Não sei o que será da pesquisa em Tingidae não só no Brasil, mas na América do Sul inteira."
Línguas desaparecidas para sempre
Para a antropóloga Adriana Facina, a perda do acervo do Museu Nacional "é comparável à perda de uma pessoa querida".
"No caso da área de Antropologia Social, perdemos cadernos de campo, entrevistas, fotografias, trabalhos desde os anos 1960. São histórias e de narrativas de pesquisadores que estudavam populações indígenas, camponeses, principalmente no Nordestes, migrantes", disse à BBC News Brasil.
"O setor de linguística perdeu registros de línguas indígenas que não têm mais falantes vivos. Perdemos para sempre."
Ainda não se sabe a extensão dos danos causados pelo incêndio, mas, no arquivos de Linguística, havia gravações de cantos indígenas feitas no final dos anos 1950, além dos únicos registros da localização de todas as etnias brasileiras feitos antes desta década.
Grande parte deles pertencia ao Arquivo Curt Nimuendaju, coleção de manuscritos e mapas feitos pelo etnólogo alemão Curt Unckel, que percorreu o Brasil estudando povos indígenas por mais de 40 anos.
Nas redes sociais, pesquisadores como o antropólogo Carlos Fausto examinavam as fotografias do incêndio e as imagens das redes de TV na esperança de encontrar indícios de que algo do arquivo foi preservado.
"Notem que o teto sobre o Larme e, se não me engano, sobre o CELIN onde está a coleção Nimuendaju não desabou. Não quero ser otimista, mas talvez tenha sobrado algo", disse Fausto em seu perfil de Facebook.
Parte dos registros, segundo Adriana Facina, foi digitalizada e ainda está acessível, mas não o suficiente. "Há muitos anos tentamos verbas para a digitalização desse material, mas nem sempre conseguíamos."
"Ainda não sabemos tudo o que se perdeu, mas o museu continua vivo em nós, vamos resistir e continuar nosso trabalho. Se a perda do museu é insubstituível, ele sobrevive em cada funcionário e pesquisador que está ali", afirma.
'Nem todo o conhecimento se perdeu'
Em meio às lamentações da comunidade científica, o egiptólogo Rennan Lemos, pesquisador do Laboratório de Egiptologia do Museu Nacional, acha que é preciso manter algum otimismo.
"Várias pesquisas em andamento de mestrado e doutorado vão ser muito afetadas porque deixamos de ter o acervo. Mas precisamos deixar claro que o conhecimento não necessariamente está perdido, porque existe um trabalho incansável feito por curadores ao longo dos anos", disse à BBC News Brasil.
"Temos catálogos das coleções e já dizemos muitos modelos 3D de fósseis e artefatos da coleção egípcia."
[Boa parte das múmias que estavam no Museu haviam passado por tomografias computadorizadas, diz pesquisador]
O Museu abrigava corpos mumificados de uma tribo indígena brasileira desconhecida, de povos nativos da Amazônia Equatoriana e de países andinos.
Além deles, o acervo continha um sarcófago de uma sacerdotisa do Egito Antigo, Sha-Amun-en-su, que foi dado de presente ao imperador D. Pedro 2º e jamais aberto.
"Não abrimos o sarcófago, mas sabíamos tudo sobre essa múmia, porque já havíamos feito tomografias computadorizadas dela e de outras", afirma Rennan.
"Está todo mundo de luto e sofrendo. A materialidade das coisas se perdeu, mas o conhecimento não vai. Vamos ter que escrever as memórias dos cientistas. Precisaremos renascer das cinzas."
*Colaborou Luiza Franco, da BBC News Brasil em São Paulo
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Imagens vide: "GETTY IMAGES", "MUSEU NACIONAL | UFRJ", "MAURÍLIO OLIVEIRA", "MUSEU NACIONAL | UFRJ", "MUSEU NACIONAL | UFRJ", "REPRODUÇÃO FACEBOOK" e "MUSEU NACIONAL | UFRJ" respectivamente.
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Quem não protege nossa arte deve devolvê-la, diz arqueólogo egípcio sobre incêndio no Museu Nacional
Este texto foi escrito por João Fellet - @joaofellet da BBC News Brasil em São Paulo
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-45364002
Ex-ministro de Antiguidades do Egito, o arqueólogo Zahi Hawass diz que o incêndio que destruiu boa parte do acervo do Museu Nacional - que incluía a maior coleção de arte egípcia da América Latina - foi uma tragédia também para seu país.
"Como pode um grande museu numa cidade tão grande ficar desguarnecido e desprotegido contra incêndios?", questiona Hawass em entrevista à BBC News Brasil.
"Foi uma falha da equipe do museu ou do governo? Não sei, mas foi um crime que nos faz lamentar muito", afirmou.
Segundo o arqueólogo, "todo museu no mundo faz testes de incêndio para garantir que o sistema de alarme funcione". Ele diz que a tragédia legitima o movimento pela repatriação de objetos egípcios em museus espalhados pelo mundo. "Se eles não forem protegidos, deverão voltar à terra mãe", diz.
Campanha pelo retorno da arte egípcia
Famoso por suas participações em documentários sobre o Egito Antigo, Hawass ganhou ainda mais visibilidade nos últimos anos ao endossar uma campanha pelo retorno da arte egípcia presente em outros países.
Após dirigir instituições responsáveis por alguns dos principais monumentos egípcios - como as pirâmides de Gizé e as ruínas de Saqqarah e Al-Wāḥāt al-Baḥriyyah -, ele foi nomeado em 2002 secretário-geral do Conselho Supremo de Antiguidades, órgão do governo responsável pela preservação do patrimônio.
Em 2011, Hawass chefiou por alguns meses o Ministério de Antiguidades após a criação do órgão, até a queda do presidente Hosni Mubarak, em meio à Primavera Árabe.
Ele diz que visitou o Museu Nacional, no Rio de Janeiro, em 2009. "Eu vi como as crianças de escolas corriam para ver as múmias e pude ver que os artefatos eram muito importantes", afirma.
Entre os 700 itens da coleção egípcia, havia sarcófagos, estátuas, amuletos, bronzes e múmias - a maioria dos períodos mais tardios da história egípcia, como o Reino Novo (1550 AC a 1077 AC) e o Terceiro Período Intermediário (1069 AC a 664 AC).
Segundo Hawass, a melhor peça da coleção era o esquife (sarcófago) de uma cantora do santuário do deus Amun chamada Sha-Amun-em-su. O objeto, com 1,58 metro, data da 23ª Dinastia (cerca de 750 AC) e foi presenteado pelo Quediva (vice-rei) do Egito, Ismail, ao imperador D. Pedro 2º durante sua viagem ao Egito, em 1876.
O arqueólogo destaca ainda a coleção de gatos e crocodilos embalsamados e "uma múmia muito peculiar de uma rainha do Período Romano" (entre os séculos 4 e 6).
Coleção egípcia do Museu Nacional
Hawass diz que as peças do Museu Nacional não estavam entre as coleções que arqueólogos egípcios tentam repatriar, pois "muito desses itens deixaram o Egito como presentes ou num período em que o comércio de antiguidades era legal no país".
Vários objetos que o movimento pretende recuperar saíram do Egito quando a nação era um protetorado britânico (1882-1953) e potências europeias enriqueciam os acervos de seus museus com objetos retirados das colônias.
Entre os itens mais cobiçados estão a Pedra de Roseta, hoje no Museu Britânico (Londres), e o busto da rainha Nefertiti, do Museu Egípcio de Berlim.
Há movimentos pela repatriação de objetos artísticos em vários países. No Brasil, pesquisadores, autoridades e indígenas tentam recuperar vários fósseis e artefatos que estão em museus estrangeiros - como os mantos tupinambás, exuberantes peças de plumária cujos últimos seis remanescentes estão na Europa.
Embora a coleção do Museu Nacional não estivesse na mira dos arqueólogos egípcios, Hawass diz que a destruição do acervo reforça o movimento pela repatriação de objetos.
"Este incidente nos permite pedir à Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) para que países com coleções no exterior, e museus no exterior, tenham controle sobre essas coleções, para que possamos garantir que esses objetos sejam protegidos e restaurados adequadamente."
E se os museus estrangeiros não forem capazes de garantir a segurança e conservação dos objetos, o arqueólogo defende que sejam devolvidos à terra natal.
"Acho que essa é uma decisão que a Unesco pode tomar, porque o incêndio foi devastador para todos nós."
Imagens vide: "ZAHI HAWAAS/DIVULGAÇÃO", "ANTONIO BRANCAGLION/MUSEU NACIONAL", "MUSEU NACIONAL", e "MUSEU NACIONAL" respectivamente.
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https://www.bbc.com/portuguese/brasil-45364002
...
[Famoso por participação em documentários, Zahi Hawaas participa de movimento por repatriação de objetos egípcios]
Ex-ministro de Antiguidades do Egito, o arqueólogo Zahi Hawass diz que o incêndio que destruiu boa parte do acervo do Museu Nacional - que incluía a maior coleção de arte egípcia da América Latina - foi uma tragédia também para seu país.
"Como pode um grande museu numa cidade tão grande ficar desguarnecido e desprotegido contra incêndios?", questiona Hawass em entrevista à BBC News Brasil.
"Foi uma falha da equipe do museu ou do governo? Não sei, mas foi um crime que nos faz lamentar muito", afirmou.
Segundo o arqueólogo, "todo museu no mundo faz testes de incêndio para garantir que o sistema de alarme funcione". Ele diz que a tragédia legitima o movimento pela repatriação de objetos egípcios em museus espalhados pelo mundo. "Se eles não forem protegidos, deverão voltar à terra mãe", diz.
Campanha pelo retorno da arte egípcia
Famoso por suas participações em documentários sobre o Egito Antigo, Hawass ganhou ainda mais visibilidade nos últimos anos ao endossar uma campanha pelo retorno da arte egípcia presente em outros países.
[Sarcófago da Dama Sha-Amun-em-su era uma das principais peças da coleção egípcia do Museu Nacional]
Após dirigir instituições responsáveis por alguns dos principais monumentos egípcios - como as pirâmides de Gizé e as ruínas de Saqqarah e Al-Wāḥāt al-Baḥriyyah -, ele foi nomeado em 2002 secretário-geral do Conselho Supremo de Antiguidades, órgão do governo responsável pela preservação do patrimônio.
Em 2011, Hawass chefiou por alguns meses o Ministério de Antiguidades após a criação do órgão, até a queda do presidente Hosni Mubarak, em meio à Primavera Árabe.
Ele diz que visitou o Museu Nacional, no Rio de Janeiro, em 2009. "Eu vi como as crianças de escolas corriam para ver as múmias e pude ver que os artefatos eram muito importantes", afirma.
Entre os 700 itens da coleção egípcia, havia sarcófagos, estátuas, amuletos, bronzes e múmias - a maioria dos períodos mais tardios da história egípcia, como o Reino Novo (1550 AC a 1077 AC) e o Terceiro Período Intermediário (1069 AC a 664 AC).
[Esquife de Hori integra a coleção adquirida por D. Pedro 1º e é provavelmente oriunda de Tebas]
Segundo Hawass, a melhor peça da coleção era o esquife (sarcófago) de uma cantora do santuário do deus Amun chamada Sha-Amun-em-su. O objeto, com 1,58 metro, data da 23ª Dinastia (cerca de 750 AC) e foi presenteado pelo Quediva (vice-rei) do Egito, Ismail, ao imperador D. Pedro 2º durante sua viagem ao Egito, em 1876.
O arqueólogo destaca ainda a coleção de gatos e crocodilos embalsamados e "uma múmia muito peculiar de uma rainha do Período Romano" (entre os séculos 4 e 6).
Coleção egípcia do Museu Nacional
Hawass diz que as peças do Museu Nacional não estavam entre as coleções que arqueólogos egípcios tentam repatriar, pois "muito desses itens deixaram o Egito como presentes ou num período em que o comércio de antiguidades era legal no país".
Vários objetos que o movimento pretende recuperar saíram do Egito quando a nação era um protetorado britânico (1882-1953) e potências europeias enriqueciam os acervos de seus museus com objetos retirados das colônias.
Entre os itens mais cobiçados estão a Pedra de Roseta, hoje no Museu Britânico (Londres), e o busto da rainha Nefertiti, do Museu Egípcio de Berlim.
[Peça que pertencia ao sarcófago de uma mulher e integra a coleção egípcia do Museu Nacional]
Há movimentos pela repatriação de objetos artísticos em vários países. No Brasil, pesquisadores, autoridades e indígenas tentam recuperar vários fósseis e artefatos que estão em museus estrangeiros - como os mantos tupinambás, exuberantes peças de plumária cujos últimos seis remanescentes estão na Europa.
Embora a coleção do Museu Nacional não estivesse na mira dos arqueólogos egípcios, Hawass diz que a destruição do acervo reforça o movimento pela repatriação de objetos.
"Este incidente nos permite pedir à Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) para que países com coleções no exterior, e museus no exterior, tenham controle sobre essas coleções, para que possamos garantir que esses objetos sejam protegidos e restaurados adequadamente."
E se os museus estrangeiros não forem capazes de garantir a segurança e conservação dos objetos, o arqueólogo defende que sejam devolvidos à terra natal.
"Acho que essa é uma decisão que a Unesco pode tomar, porque o incêndio foi devastador para todos nós."
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Imagens vide: "ZAHI HAWAAS/DIVULGAÇÃO", "ANTONIO BRANCAGLION/MUSEU NACIONAL", "MUSEU NACIONAL", e "MUSEU NACIONAL" respectivamente.
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Como é a proteção contra incêndio no Museu de História Natural de Paris, um dos maiores do mundo
Este texto foi escrito por Daniela Fernandes
De Paris para a BBC News Brasil; 4 de setembro de 2018 às 17:14:45 e atualizado às 17:30:13.
Alarmes e detectores de fumaça ligados a um posto de comando computadorizado e monitorado 24 horas por dia, agentes de segurança treinados para combater incêndios sempre presentes no local, extratores de fumaça, sistemas de "compartimentagem" dos espaços com portas corta-fogo e divisórias nas escadas para evitar que o fogo se alastre fazem parte do esquema de segurança contra incêndios dos museus franceses, como o de História Natural de Paris, que possui o mesmo tipo de acervo do Museu Nacional do Rio, destruído pelo fogo no domingo.
Há também exercícios regulares de simulação de incêndios, que contam ainda com operações de socorro a vítimas de acidentes desse tipo.
O Museu de História Natural de Paris é um dos maiores do mundo, junto com o de Londres, com um acervo de 68 milhões de espécimes de coleções que mostram a diversidade da natureza.
Apenas na Grande Galeria da Evolução - um dos pontos fortes do museu, com 6 mil metros quadrados de exposições e que apresenta uma sala com espécies extintas ou ameaçadas - são cinco agentes de segurança treinados e voltados especificamente para o combate a incêndios nos horários de abertura e dois à noite.
Isso além dos 70 agentes de segurança que circulam pelo local.
"Investimos significativamente nos últimos anos em sistemas de segurança contra incêndios", disse à BBC News Brasil Bruno David, presidente do Museu de História Natural de Paris, sem revelar o montante total.
Outros 7 milhões de euros (cerca de R$ 35 milhões) devem ser investidos para refazer o teto da galeria de paleontologia e evitar infiltrações que possam causar, por exemplo, curtos-circuitos.
"Há sempre uma maneira de intervir no prédio. Se não temos dinheiro para renovar completamente, podemos reforçar a segurança para preservar o que está dentro", afirma David.
"No Rio, o acidente aconteceu antes da renovação e agora só podemos chorar", completa.
"A tragédia no Rio nos leva a refletir sobre a questão", diz David, referindo-se ao funcionamento do plano de segurança do museu parisiense contra incêndios e eventuais riscos que sempre podem surgir.
O sistema de segurança do museu também conta com várias dezenas de câmeras, segundo a direção.
"O importante não é só ter câmeras. É ter alarmes detectores de fumaça e fogo ligados ao posto de comando central para que possamos supervisionar cada galeria", diz Pierre Debreuil, diretor-geral do Museu de História Natural de Paris.
"Penso que se houvesse no museu do Rio o sistema de compartimentagem, para evitar a propagação do fogo, o museu todo não teria queimado ao mesmo tempo", diz ele, ressaltando que não conhece o sistema do museu carioca e que as causas do incêndio não são ainda conhecidas.
"Com o sistema de compartimentagem, com portas corta-fogo e divisórias específicas nas escada, o fogo não se alastra por todos os lados, limitando os riscos de propagação do incêndio", destaca Debreuil.
"Ninguém está a salvo de um incêndio como o do Rio, é possível que isso aconteça. Mas temos sistemas de segurança que normalmente nos permitem agir imediatamente em caso de risco de incêndio", afirma o diretor-geral.
O Museu de História Natural pode ter corrido um risco mais elevado de incêndio no passado.
Antes da renovação da Grande Galeria da Evolução, iniciada em 1989 (ela foi reaberta em 1994), o local estava, segundo o presidente, em "estado catastrófico". Chovia dentro, mas a eletricidade havia sido cortada para evitar curto-circuitos.
Em dezembro passado, houve um pequeno incêndio em uma área técnica do Carrousel du Louvre, onde há lojas e restaurantes, e foi rapidamente controlado.
"Não podemos substituir um pássaro por outro da mesma espécie. Cada um carrega informações históricas do período em em que viveu e revela as condições ambientais da época. Tudo isso foi irremediavelmente perdido."
Segundo David, o que poderá ser eventualmente substituído pelo museu carioca deverá representar "custos gigantescos."
"É mais do que um patrimônio científico. É um patrimônio que diz respeito à história das ciências e da humanidade, a maneira como os homens descobriram a biodiversidade brasileira. Todos esses aspectos foram destruídos", afirma.
O diretor do Museu de História Natural de Paris se diz muito "triste" com a perda também de correspondências científicas entre pesquisadores europeus e sul-americanos.
Para ele, o Museu Nacional do Rio não tem a importância internacional dos de Paris, Londres ou Washington com acervos do mesmo tipo, mas "é um grande museu da América do Sul", que estaria, na sua avaliação, entre os 15 maiores do mundo.
A Unesco, organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura, também lamentou a "perda inestimável para a humanidade da coleção excepcional" do Museu Nacional do Rio.
Em entrevista à BBC News Brasil, Ieng Srong, chefe da divisão do patrimônio mobiliário e museus da organização, disse que o Brasil deverá "tirar lições dessa tragédia e se voltar para o futuro", identificando as razões do incêndio e tomando medidas preventivas.
Segundo ele, o Brasil desempenhou um "papel-chave" na adoção, em 2015, da Recomendação Referente à Proteção e Promoção dos Museus da organização.
O Brasil, diz Srong, foi o "motor" da elaboração dessa recomendação e foi o primeiro país a sediar o encontro sobre essa recomendação internacional.
O País enviou recentemente à Unesco um relatório sobre a aplicação no país das medidas previstas pela recomendação. Ele será analisado pela entidade nos próximos meses.
Imagens vide: "Divulgação/MNHN", "GETTY IMAGES", "Foto: Divulgação/MNHN" e "AFP" respectivamente.
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[Museu em Paris é um dos maiores do mundo, ao lado do de Londres | Foto: Divulgação/MNHN]
Alarmes e detectores de fumaça ligados a um posto de comando computadorizado e monitorado 24 horas por dia, agentes de segurança treinados para combater incêndios sempre presentes no local, extratores de fumaça, sistemas de "compartimentagem" dos espaços com portas corta-fogo e divisórias nas escadas para evitar que o fogo se alastre fazem parte do esquema de segurança contra incêndios dos museus franceses, como o de História Natural de Paris, que possui o mesmo tipo de acervo do Museu Nacional do Rio, destruído pelo fogo no domingo.
Há também exercícios regulares de simulação de incêndios, que contam ainda com operações de socorro a vítimas de acidentes desse tipo.
O Museu de História Natural de Paris é um dos maiores do mundo, junto com o de Londres, com um acervo de 68 milhões de espécimes de coleções que mostram a diversidade da natureza.
Apenas na Grande Galeria da Evolução - um dos pontos fortes do museu, com 6 mil metros quadrados de exposições e que apresenta uma sala com espécies extintas ou ameaçadas - são cinco agentes de segurança treinados e voltados especificamente para o combate a incêndios nos horários de abertura e dois à noite.
Isso além dos 70 agentes de segurança que circulam pelo local.
"Investimos significativamente nos últimos anos em sistemas de segurança contra incêndios", disse à BBC News Brasil Bruno David, presidente do Museu de História Natural de Paris, sem revelar o montante total.
'A tragédia no Rio nos leva a refletir sobre a questão'
Na galeria de paleontologia, de 1898, a única do museu que está menos conservada e precisa ser renovada, foi investido 1 milhão de euros (cerca de R$ 5 milhões) nos últimos cinco anos no sistema de segurança contra incêndios, com os mesmos equipamentos e alarmes conectados ao posto de comando, extratores de fumaça e portas corta-fogo que já existiam em outros espaços do museu.Outros 7 milhões de euros (cerca de R$ 35 milhões) devem ser investidos para refazer o teto da galeria de paleontologia e evitar infiltrações que possam causar, por exemplo, curtos-circuitos.
[Em museu na capital francesa, há exercícios regulares de simulação de incêndios]
"Há sempre uma maneira de intervir no prédio. Se não temos dinheiro para renovar completamente, podemos reforçar a segurança para preservar o que está dentro", afirma David.
"No Rio, o acidente aconteceu antes da renovação e agora só podemos chorar", completa.
"A tragédia no Rio nos leva a refletir sobre a questão", diz David, referindo-se ao funcionamento do plano de segurança do museu parisiense contra incêndios e eventuais riscos que sempre podem surgir.
O sistema de segurança do museu também conta com várias dezenas de câmeras, segundo a direção.
"O importante não é só ter câmeras. É ter alarmes detectores de fumaça e fogo ligados ao posto de comando central para que possamos supervisionar cada galeria", diz Pierre Debreuil, diretor-geral do Museu de História Natural de Paris.
"Penso que se houvesse no museu do Rio o sistema de compartimentagem, para evitar a propagação do fogo, o museu todo não teria queimado ao mesmo tempo", diz ele, ressaltando que não conhece o sistema do museu carioca e que as causas do incêndio não são ainda conhecidas.
"Com o sistema de compartimentagem, com portas corta-fogo e divisórias específicas nas escada, o fogo não se alastra por todos os lados, limitando os riscos de propagação do incêndio", destaca Debreuil.
"Ninguém está a salvo de um incêndio como o do Rio, é possível que isso aconteça. Mas temos sistemas de segurança que normalmente nos permitem agir imediatamente em caso de risco de incêndio", afirma o diretor-geral.
['Ninguém está a salvo de um incêndio como o do Rio, é possível que isso aconteça. Mas temos sistemas de segurança que normalmente nos permitem agir imediatamente em caso de risco de incêndio', diz David | Foto: Divulgação/MNHN]
O Museu de História Natural pode ter corrido um risco mais elevado de incêndio no passado.
Antes da renovação da Grande Galeria da Evolução, iniciada em 1989 (ela foi reaberta em 1994), o local estava, segundo o presidente, em "estado catastrófico". Chovia dentro, mas a eletricidade havia sido cortada para evitar curto-circuitos.
Em dezembro passado, houve um pequeno incêndio em uma área técnica do Carrousel du Louvre, onde há lojas e restaurantes, e foi rapidamente controlado.
Perda irreparável
Para David, o incêndio do Museu Nacional do Rio representa uma perda irreparável para o Brasil e para a humanidade. "É um patrimônio inestimável que desapareceu e que não poderemos substituir", diz o diretor do museu parisiense."Não podemos substituir um pássaro por outro da mesma espécie. Cada um carrega informações históricas do período em em que viveu e revela as condições ambientais da época. Tudo isso foi irremediavelmente perdido."
Segundo David, o que poderá ser eventualmente substituído pelo museu carioca deverá representar "custos gigantescos."
"É mais do que um patrimônio científico. É um patrimônio que diz respeito à história das ciências e da humanidade, a maneira como os homens descobriram a biodiversidade brasileira. Todos esses aspectos foram destruídos", afirma.
[Unesco lamentou a 'perda inestimável para a humanidade da coleção excepcional' do Museu Nacional do Rio.]
O diretor do Museu de História Natural de Paris se diz muito "triste" com a perda também de correspondências científicas entre pesquisadores europeus e sul-americanos.
Para ele, o Museu Nacional do Rio não tem a importância internacional dos de Paris, Londres ou Washington com acervos do mesmo tipo, mas "é um grande museu da América do Sul", que estaria, na sua avaliação, entre os 15 maiores do mundo.
A Unesco, organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura, também lamentou a "perda inestimável para a humanidade da coleção excepcional" do Museu Nacional do Rio.
Em entrevista à BBC News Brasil, Ieng Srong, chefe da divisão do patrimônio mobiliário e museus da organização, disse que o Brasil deverá "tirar lições dessa tragédia e se voltar para o futuro", identificando as razões do incêndio e tomando medidas preventivas.
Segundo ele, o Brasil desempenhou um "papel-chave" na adoção, em 2015, da Recomendação Referente à Proteção e Promoção dos Museus da organização.
O Brasil, diz Srong, foi o "motor" da elaboração dessa recomendação e foi o primeiro país a sediar o encontro sobre essa recomendação internacional.
O País enviou recentemente à Unesco um relatório sobre a aplicação no país das medidas previstas pela recomendação. Ele será analisado pela entidade nos próximos meses.
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Imagens vide: "Divulgação/MNHN", "GETTY IMAGES", "Foto: Divulgação/MNHN" e "AFP" respectivamente.
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Museu Nacional: Como fotos pessoais podem ajudar a resgatar a memória destruída pelo fogo
Este texto foi escrito por Leticia Mori da BBC News Brasil em São Paulo; e publicado dia 4 de setembro de 2018 às 13:09:44 e atualizado às 13:25:33.
Nas primeiras horas após o incêndio que atingiu o Museu Nacional no domingo, alunos do curso de museologia na Unirio (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro) começaram a conversar no WhatsApp sobre reunir as fotos que tinham do espaço.
A ideia era tentar manter com as imagens a memória do acervo de mais de 20 milhões de itens que se perdia em meio ao fogo de grandes proporções.
Os alunos – do primeiro ao último semestre do curso – também divulgaram a ideia para amigos, e a mensagem viralizou. Até às 11h da manhã de segunda-feira, tinham recebido mais de 5 mil e-mails, com milhares de fotografias.
"Nossa ideia é trabalhar em conjunto com o Museu Nacional, estamos esperando eles responderem. É nossa forma de ajudar, já que eles vão ter um monte de coisa para resolver agora", diz Luana Santos, de 28 anos, aluna do 4º período de museologia da Unirio e uma das integrantes da iniciativa.
A ideia é manter essas fotos em um acervo digital que o público possa acessar, mas os alunos não decidiram o formato nem conseguiram catalogar as imagens que receberam.
"Ainda estamos atônitos e cansados, vários colegas estavam agora na Cinelândia (onde houve uma manifestação de luto pelo descaso com o museu)", diz a estudante.
Luana diz que o que se perdeu "é insubstituível", e que a ideia é lembrar não apenas do acervo, mas da tragédia que levou à destruição da maior parte dele. "Não podemos deixar isso acontecer de novo", afirma ela.
A iniciativa é importante não porque irá preencher o vazio deixado pelo incêndio, mas porque amplia a discussão sobre o descaso com a cultura no Brasil, segundo a professora da USP Giselle Beiguelman, especialista em preservação de arte digital.
"A memória da tragédia não é só as imagens do fogo, mas do quão mobilizatório isso se tornou. Espero que isso de fato produza uma corrente coletiva de conscientização" diz ela.
Memória da tragédia
"É obvio que essas imagens não vão recuperar o museu. Mas ao menos criam uma memória desse presente absurdo que estamos vivendo, de um museu desse porte ir ao chão em poucas horas", afirma Beiguelman.
Beiguelman afirma que a súbita mobilização gerada pela iniciativa dos estudantes deixa ainda mais claro que "o futuro da nossa memória passa por esses registros, que vão criando esses arquivos coletivos e espontâneos".
A digitalização, no entanto, nunca substitui a interface pessoal, diz ela.
"Ver um fóssil ao vivo é uma coisa, outra coisa é ver a foto. Estamos diante de uma tregédia que levou milhares de anos pras cinzas. É irreparável, não tem como cicatrizar, uma vergonha para a nossa história. Privamos o mundo de uma parte do seu passado", afirma Beiguelman.
Calculando as perdas
No caso do Museu Nacional, as imagens dos alunos que estão sendo reunidas – enviadas por visitantes e tiradas em maior parte com celular – não seriam suficientes para fazer um registro virtual 3D ou em alta definição dos itens que foram destruídos. Esse tipo de digitalização precisa ser feita com muito cuidado, com equipamento específico, com o acervo ainda intacto.
O custo, além disso, é elevado. "É caro porque o patrimônio é delicado, e fica em uma mídia que é programada para obsolescência. Não pode ser armazenado em um serviço comercial (como YouTube ou Dropbox, por exemplo), pois eles podem acabar de uma hora para outra", pondera Beiguelman.
A digitalização normalmente é uma ferramenta de pesquisa, o que também não pode ser feito com as imagens enviadas pelos visitantes.
Muitas peças do acervo eram itens únicos – esqueletos de dinossauros, múmias egípcias, utensílios produzidos por civilizações ameríndias durante a era pré-colombiana.
Em nota, o Museu Nacional afirmou que ainda está mensurando os danos ao acervo.
Um dos únicos itens até agora que se sabe que restaram do acervo do prédio central é o meteorito Bendegó. As coleções de botânica, parte da zoologia e a biblioteca central também não foram perdidas, pois estavam em um prédio anexo.
Localizado na Quinta da Boa Vista, em São Cristóvão, o Museu Nacional é mais antigo do país e uma das instituições científicas mais importantes do Brasil. Fundado por Dom João 6º no dia 6 de agosto de 1818, acabara de completar 200 anos - mas tinha itens de milhões de anos.
Imagens vide: "AFP", "EPA", "AFP" e "ANTONIO LACERDA/EPA".
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[Museu Nacional ainda mensura os danos causados pelo incêndio a seu acervo]
Nas primeiras horas após o incêndio que atingiu o Museu Nacional no domingo, alunos do curso de museologia na Unirio (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro) começaram a conversar no WhatsApp sobre reunir as fotos que tinham do espaço.
A ideia era tentar manter com as imagens a memória do acervo de mais de 20 milhões de itens que se perdia em meio ao fogo de grandes proporções.
Os alunos – do primeiro ao último semestre do curso – também divulgaram a ideia para amigos, e a mensagem viralizou. Até às 11h da manhã de segunda-feira, tinham recebido mais de 5 mil e-mails, com milhares de fotografias.
"Nossa ideia é trabalhar em conjunto com o Museu Nacional, estamos esperando eles responderem. É nossa forma de ajudar, já que eles vão ter um monte de coisa para resolver agora", diz Luana Santos, de 28 anos, aluna do 4º período de museologia da Unirio e uma das integrantes da iniciativa.
A ideia é manter essas fotos em um acervo digital que o público possa acessar, mas os alunos não decidiram o formato nem conseguiram catalogar as imagens que receberam.
"Ainda estamos atônitos e cansados, vários colegas estavam agora na Cinelândia (onde houve uma manifestação de luto pelo descaso com o museu)", diz a estudante.
[Operação de combate ao fogo foi feita durante a noite]
Luana diz que o que se perdeu "é insubstituível", e que a ideia é lembrar não apenas do acervo, mas da tragédia que levou à destruição da maior parte dele. "Não podemos deixar isso acontecer de novo", afirma ela.
A iniciativa é importante não porque irá preencher o vazio deixado pelo incêndio, mas porque amplia a discussão sobre o descaso com a cultura no Brasil, segundo a professora da USP Giselle Beiguelman, especialista em preservação de arte digital.
"A memória da tragédia não é só as imagens do fogo, mas do quão mobilizatório isso se tornou. Espero que isso de fato produza uma corrente coletiva de conscientização" diz ela.
Memória da tragédia
"É obvio que essas imagens não vão recuperar o museu. Mas ao menos criam uma memória desse presente absurdo que estamos vivendo, de um museu desse porte ir ao chão em poucas horas", afirma Beiguelman.
[Incidente no Museu Nacional foi o oitavo incêndio em dez anos a atingir prédios do patrimônio cultural e científico do país]
Beiguelman afirma que a súbita mobilização gerada pela iniciativa dos estudantes deixa ainda mais claro que "o futuro da nossa memória passa por esses registros, que vão criando esses arquivos coletivos e espontâneos".
A digitalização, no entanto, nunca substitui a interface pessoal, diz ela.
"Ver um fóssil ao vivo é uma coisa, outra coisa é ver a foto. Estamos diante de uma tregédia que levou milhares de anos pras cinzas. É irreparável, não tem como cicatrizar, uma vergonha para a nossa história. Privamos o mundo de uma parte do seu passado", afirma Beiguelman.
Calculando as perdas
No caso do Museu Nacional, as imagens dos alunos que estão sendo reunidas – enviadas por visitantes e tiradas em maior parte com celular – não seriam suficientes para fazer um registro virtual 3D ou em alta definição dos itens que foram destruídos. Esse tipo de digitalização precisa ser feita com muito cuidado, com equipamento específico, com o acervo ainda intacto.
O custo, além disso, é elevado. "É caro porque o patrimônio é delicado, e fica em uma mídia que é programada para obsolescência. Não pode ser armazenado em um serviço comercial (como YouTube ou Dropbox, por exemplo), pois eles podem acabar de uma hora para outra", pondera Beiguelman.
[Estudantes organizaram ato na Cinelândia após incêndio no museu]
A digitalização normalmente é uma ferramenta de pesquisa, o que também não pode ser feito com as imagens enviadas pelos visitantes.
Muitas peças do acervo eram itens únicos – esqueletos de dinossauros, múmias egípcias, utensílios produzidos por civilizações ameríndias durante a era pré-colombiana.
Em nota, o Museu Nacional afirmou que ainda está mensurando os danos ao acervo.
Um dos únicos itens até agora que se sabe que restaram do acervo do prédio central é o meteorito Bendegó. As coleções de botânica, parte da zoologia e a biblioteca central também não foram perdidas, pois estavam em um prédio anexo.
Localizado na Quinta da Boa Vista, em São Cristóvão, o Museu Nacional é mais antigo do país e uma das instituições científicas mais importantes do Brasil. Fundado por Dom João 6º no dia 6 de agosto de 1818, acabara de completar 200 anos - mas tinha itens de milhões de anos.
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Imagens vide: "AFP", "EPA", "AFP" e "ANTONIO LACERDA/EPA".
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Onde ficará a maior estátua do mundo, prestes a ser concluída
https://www.bbc.com/portuguese/internacional-45406867
Museu Nacional: O mistério da múmia que 'provocava transe' nos anos 60 e foi consumida pelo fogo
Texto escrito por Luis Barrucho da BBC News Brasil em Londres; e publicado dia 4 de setembro de 2018.
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-45403765
Entre os 20 milhões de itens que compunham o acervo do Museu Nacional e que foram consumidos pelo fogo no incêndio que começou neste domingo, um em particular despertava grande curiosidade entre os visitantes - e não apenas por sua raridade.
A múmia egípcia Kherima, com cerca de 2 mil anos, foi trazida ao Brasil em um caixote de madeira em 1824 pelo comerciante Nicolau Fiengo. Dois anos depois, foi oferecida em leilão e arrematada por Dom Pedro 1º, que a doou ao então Museu Real, fundado em 1818 e instalado à época no Campo de Santana, na região central da cidade do Rio de Janeiro.
Kherima destacava-se por apresentar membros enfaixados individualmente e decorados sobre linho, o que lhe dava aparência similar à de uma boneca - um estilo de mumificação diferente do da época, menos detalhista, em que os corpos eram "empacotados". Além dela, há apenas oito múmias desse tipo no mundo.
"Esse era um exemplar muito importante, por conta do tipo de enfaixamento, que preservava a humanidade do corpo; no caso, o contorno do corpo feminino", diz à BBC News Brasil Rennan Lemos, doutorando em Arquelogia na Universidade de Cambridge, na Inglaterra, e pesquisador-associado do Laboratório de Egiptologia do Museu Nacional (Seshat).
No entanto, não era apenas essa característica que atiçava o interesse do público. Relatos de quase 60 anos atrás dão conta que Kherima teria provocado transe em quem se aproximava dela.
Na década de 1960, por exemplo, uma jovem teria tocado os pés da múmia e, fora de si, dito que ela pertencia a uma princesa de Tebas chamada Kherima, assassinada a punhaladas.
Já outras pessoas afirmaram ter tido um "mal súbito" quando estavam próximas ao corpo.
Kherima já havia se tornado objeto de culto quando o professor Victor Staviarski, membro da Sociedade de Amigos do Museu Nacional, ajudou a reforçar o misticismo em torno dela.
Controversos, seus cursos de egiptologia e escrita hieroglífica ao som de óperas como Aida, de Giuseppe Verdi, incluíam a presença de médiuns e sessões de hipnose coletiva - ao lado da múmia. Naquela época, alunos podiam tocá-la - e as reações inesperadas que resultavam desse contato alimentaram o imaginário popular.
"Algumas pessoas diziam que conversavam com a múmia e ela respondia. Em uma dessas conversas, ela teria dito que seria uma princesa do Sol, mas isso não faz o menor sentido científico, porque esse não era um título do Egito Antigo", acrescenta Lemos.
Técnicas de tomografia permitiram verificar que Kherima era filha de um governador de Tebas, importante cidade do Egito Antigo. Segundo a pesquisa, ela tinha entre 18 e 20 anos e viveu durante o Período Romano no Egito, entre os séculos 1 e 2. A causa de sua morte nunca foi identificada.
O processo foi acompanhado na época por Sheila Mendonça, ex-aluna de Staviarski, atualmente vice-diretora de Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico da Escola de Saúde Pública da Fiocruz. Contatada pela BBC News Brasil, ela afirmou estar "muito emocionada" e sem condições de falar por causa da "enorme perda" do acervo do museu.
Além de Kherima, outros importantes objetos teriam sido consumidos pelas chamas, como o fóssil humano mais antigo encontrado no Brasil, batizado de Luzia; o esqueleto Maxakalisaurus topai, primeiro dinossauro de grande porte a ser montado no país, e o Trono de Daomé, que pertenceu ao rei africano Adandozan (1718-1818) e foi doado por embaixadores do monarca ao príncipe regente Dom João 6º, em 1811.
Outra múmia, o da cantora-sacerdotisa egípcia Sha-amun-en-su, também foi reduzida a cinzas. Foi um presente que Dom Pedro 2º recebeu, em 1876, em sua segunda visita ao Egito.
Com mais de 700 peças, a coleção de arqueologia egípcia do Museu Nacional era considerada a maior da América Latina e a mais antiga do continente - com múmias e sarcófagos. Acredita-se que todo o acervo tenha sido perdido.
Imagens vide: "???" e "REUTERS" repectivamente.
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https://www.bbc.com/portuguese/brasil-45403765
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[Kherima tinha os membros enfaixados separadamente, um estilo diferente do que era comum na época em que fora embalsamada]
Entre os 20 milhões de itens que compunham o acervo do Museu Nacional e que foram consumidos pelo fogo no incêndio que começou neste domingo, um em particular despertava grande curiosidade entre os visitantes - e não apenas por sua raridade.
A múmia egípcia Kherima, com cerca de 2 mil anos, foi trazida ao Brasil em um caixote de madeira em 1824 pelo comerciante Nicolau Fiengo. Dois anos depois, foi oferecida em leilão e arrematada por Dom Pedro 1º, que a doou ao então Museu Real, fundado em 1818 e instalado à época no Campo de Santana, na região central da cidade do Rio de Janeiro.
Kherima destacava-se por apresentar membros enfaixados individualmente e decorados sobre linho, o que lhe dava aparência similar à de uma boneca - um estilo de mumificação diferente do da época, menos detalhista, em que os corpos eram "empacotados". Além dela, há apenas oito múmias desse tipo no mundo.
"Esse era um exemplar muito importante, por conta do tipo de enfaixamento, que preservava a humanidade do corpo; no caso, o contorno do corpo feminino", diz à BBC News Brasil Rennan Lemos, doutorando em Arquelogia na Universidade de Cambridge, na Inglaterra, e pesquisador-associado do Laboratório de Egiptologia do Museu Nacional (Seshat).
No entanto, não era apenas essa característica que atiçava o interesse do público. Relatos de quase 60 anos atrás dão conta que Kherima teria provocado transe em quem se aproximava dela.
Na década de 1960, por exemplo, uma jovem teria tocado os pés da múmia e, fora de si, dito que ela pertencia a uma princesa de Tebas chamada Kherima, assassinada a punhaladas.
Já outras pessoas afirmaram ter tido um "mal súbito" quando estavam próximas ao corpo.
Kherima já havia se tornado objeto de culto quando o professor Victor Staviarski, membro da Sociedade de Amigos do Museu Nacional, ajudou a reforçar o misticismo em torno dela.
Controversos, seus cursos de egiptologia e escrita hieroglífica ao som de óperas como Aida, de Giuseppe Verdi, incluíam a presença de médiuns e sessões de hipnose coletiva - ao lado da múmia. Naquela época, alunos podiam tocá-la - e as reações inesperadas que resultavam desse contato alimentaram o imaginário popular.
"Algumas pessoas diziam que conversavam com a múmia e ela respondia. Em uma dessas conversas, ela teria dito que seria uma princesa do Sol, mas isso não faz o menor sentido científico, porque esse não era um título do Egito Antigo", acrescenta Lemos.
Técnicas de tomografia permitiram verificar que Kherima era filha de um governador de Tebas, importante cidade do Egito Antigo. Segundo a pesquisa, ela tinha entre 18 e 20 anos e viveu durante o Período Romano no Egito, entre os séculos 1 e 2. A causa de sua morte nunca foi identificada.
O processo foi acompanhado na época por Sheila Mendonça, ex-aluna de Staviarski, atualmente vice-diretora de Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico da Escola de Saúde Pública da Fiocruz. Contatada pela BBC News Brasil, ela afirmou estar "muito emocionada" e sem condições de falar por causa da "enorme perda" do acervo do museu.
[Museu Nacional do Rio pegou fogo na noite de domingo]
Extensão da tragédia
Um incêndio de grandes proporções atingiu o Museu Nacional na noite do último domingo, considerado a antiga instituição científica do Brasil e maior museu de História Natural e Antropologia da América Latina.Além de Kherima, outros importantes objetos teriam sido consumidos pelas chamas, como o fóssil humano mais antigo encontrado no Brasil, batizado de Luzia; o esqueleto Maxakalisaurus topai, primeiro dinossauro de grande porte a ser montado no país, e o Trono de Daomé, que pertenceu ao rei africano Adandozan (1718-1818) e foi doado por embaixadores do monarca ao príncipe regente Dom João 6º, em 1811.
Outra múmia, o da cantora-sacerdotisa egípcia Sha-amun-en-su, também foi reduzida a cinzas. Foi um presente que Dom Pedro 2º recebeu, em 1876, em sua segunda visita ao Egito.
Com mais de 700 peças, a coleção de arqueologia egípcia do Museu Nacional era considerada a maior da América Latina e a mais antiga do continente - com múmias e sarcófagos. Acredita-se que todo o acervo tenha sido perdido.
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Imagens vide: "???" e "REUTERS" repectivamente.
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Ministro da Cultura culpa governos do PT e UFRJ por falta de investimentos no Museu Nacional
Este texto foi escrito por Nathalia Passarinho* da BBC News Brasil em Londres:
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-45398965
Publicado dia 4 setembro 2018, às 07:55:22 e atualizado às 08:09:03.
Há mais de uma década que pesquisadores alertam para a falta de recursos e a precariedade do prédio do Museu Nacional, que até ser destruído pelo incêndio de domingo abrigava o maior acervo científico do Brasil. Mas a quem cabia tomar uma providência para evitar a tragédia?
Em entrevista à BBC News Brasil, o ministro da Cultura, Sérgio Sá Leitão, culpou os governos que "levaram o país à pior recessão da história", em referência ao Partido dos Trabalhadores (PT), e a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) pela situação do museu e a escassez de investimentos.
O Museu Nacional é vinculado à UFRJ, que, por sua vez, é mantida com recursos do governo federal.
"De dois anos para cá, repasses foram reduzidos em várias áreas porque os governos anteriores quebraram o Brasil. Agora, é importante dizer que quem determinava quanto ia ao Museu Nacional era a UFRJ, não era o governo federal nem o Ministério da Educação", disse. A BBC News Brasil tentou contato com a assessoria da UFRJ, que não respondeu até a publicação desta reportagem.
Questionado se o atual governo federal não teria parcela da responsabilidade diante da estagnação no orçamento da UFRJ, ele ressaltou que ajudou na negociação dos R$ 21 milhões que o Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES) liberaria em novembro para renovar o museu.
"Eu acho que esses problemas foram historicamente ignorados, mas não no meu período como ministro da Cultura. Nós tentamos ajudá-los a achar fundos para viabilizar a revitalização da instituição. E conseguimos os R$ 21 milhões para a revitalização, mas infelizmente o contrato foi assinado no dia 6 de junho, e o dinheiro não chegou antes do que aconteceu ontem."
Nos últimos dois anos, os gastos da UFRJ ficaram estagnados. Em 2016, a universidade gastou R$ 3,9 bilhões. Em 2017, foram liquidados cerca de R$ 4 bi - em valores já corrigidos pela inflação. Neste ano, até agora os gastos foram de R$ 2,45 bilhões, segundo dados do Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (Siafi) levantados pela BBC News Brasil.
Já os gastos totais do Museu Nacional caíram de R$ 480 mil em 2016 para R$ 445,5 mil em 2017, em valores corrigidos pela inflação. Em 2018, o Museu Nacional gastou R$ 268,4 mil até o começo de agosto.
Para o ministro Sá Leitão, museu e universidade deveriam ter corrido atrás de outras fontes de financiamento.
"Eles poderiam ter tentado atrair empresas privadas, poderiam tentar financiamentos ou operações de venda de imóveis e terrenos. É fácil transferir a responsabilidade para os outros, mas se você gerencia algo, você é responsável por isso."
Na noite de segunda-feira, Sá Leitão, ao lado do ministro da Educação, Rossieli Soares, anunciou a liberação imediata de R$ 10 milhões à UFRJ para a realização de obras emergenciais no museu para garantir a segurança e preservação da estrutura do prédio.
Leia, a seguir, trechos da entrevista:
BBC News Brasil - Ao longo de vários anos, diversos relatórios apontaram para as precariedades do prédio do Museu Nacional e a falta de investimentos. Um Relatório de 2016 da Biblioteca Nacional, por exemplo, falou do risco de que parte do teto caísse sobre a cabeça dos pesquisadores. Esses problemas não foram ignorados pelos governos anteriores e por este?
Sérgio Sá Leitão - Eu acho que esses problemas foram historicamente ignorados, mas não no meu período como ministro da Cultura.
O Museu Nacional é gerenciado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Nós tentamos ajudá-los a achar fundos para viabilizar a revitalização da instituição.
Conseguimos os R$ 21 milhões para a revitalização, mas infelizmente o contrato foi assinado no dia 6 de junho, e o dinheiro não chegou antes do que aconteceu ontem. Fiz o que estava ao meu alcance, mas não posso responder por administrações anteriores.
BBC News Brasil - Em 2004, o então secretário de Energia do Estado do Rio disse que o prédio pegaria fogo eventualmente. Mas o que vemos são as diferentes esferas da administração empurrando responsabilidade uma para a outra. De quem é, então, a responsabilidade neste caso?
Sá Leitão - Os gestores têm responsabilidade direta sobre aquilo que é da sua competência. Nessa gestão do Ministério da Cultura, nós somos parte da solução, não parte do problema.
Estamos resolvendo problemas criados em gestões anteriores. Estamos viabilizando obras que estavam paradas e se arrastavam desde 2009, 2010, 2011, saneando convênios parados há anos, pagando editais de 2013 que não foram pagos.
Temos um histórico de negligência, má gestão, populismo, e temos procurado resolver os problemas de maneira objetiva e concreta.
BBC News Brasil - Os repasses às universidades federais foram reduzidos ou ficaram estagnados nos últimos anos, inclusive aqueles direcionados à UFRJ, responsável pelo financiamento do Museu Nacional. O governo federal não tem responsabilidade, portanto?
Sá Leitão - De dois anos para cá, repasses foram reduzidos em várias áreas, porque os governos anteriores quebraram o Brasil.
Levaram o país à pior recessão da história, em 2015 e, em 2016, ao maior déficit fiscal da história. É uma grande situação de descalabro.
Isso fez com que a capacidade de investimento do governo federal fosse reduzida. Várias medidas foram tomadas no sentido de fazer o Estado brasileiro retomar a capacidade de investimento, mas isso é um processo.
Ainda estamos pagando o descalabro das gestões anteriores. Agora, é importante dizer que quem determinava quanto ia ao Museu Nacional era a UFRJ, não era o governo federal nem o Ministério da Educação. O governo federal determinava quanto a UFRJ receberia. Agora, quanto seria destinado para o Museu Nacional, era do âmbito da esfera da UFRJ.
BBC News Brasil - Mas tendo menos recursos do governo federal para UFRJ, é natural imaginar que haveria menos repasses da UFRJ ao museu...
Sá Leitão - Se em menos de um ano nós conseguimos obter R$ 21,7 milhões para o Museu Nacional (em financiamento do BNDES), por que a diretoria da universidade não foi atrás desse dinheiro antes?
Eles poderiam ter tentado atrair empresas privadas, poderiam tentar financiamentos ou operações de venda de imóveis e terrenos. É fácil transferir a responsabilidade para os outros, mas, se você gerencia algo, você é responsável por isso.
BBC News Brasil - Especialistas criticam o uso da Lei Rouanet dizendo que um volume maior desses recursos deveria ir para recuperação de patrimônio histórico. O senhor sempre defendeu que os recursos do incentivo fiscal fossem para usados projetos com valor artístico, mas também comercial. Como vê essa crítica?
Sá Leitão - Acho que é uma crítica que não procede e que está baseada na falta de números e de compreensão sobre o funcionamento dos mecanismos.
O fato é que, apenas via Lei Rouanet, já tivemos um investimento de mais de R$ 500 milhões em restauração de patrimônio histórico e museus desde o início do funcionamento da lei.
Além disso, temos feito um investimento direto significativo se levarmos em conta o quadro de déficit. Investimos R$ 193 milhões em patrimônio histórico no ano passado e esse ano foram R$ 170 milhões. Providências têm sido tomadas. Projetos de renovação de museu incorporam a necessidade de um plano de gestão de risco que precisa ser aprovado. Agora, obviamente temos um imenso déficit para dar conta.
BBC News Brasil - Do ponto de vista histórico, cultural e educacional, qual a dimensão dessa tragédia?
Sá Leitão - É uma das maiores tragédias que já tivemos no campo da cultura no Brasil.
A perda em relação ao acervo e o imóvel é imensa. Óbvio que o imóvel pode ser reconstruído, mas o acervo não pode ser recuperado.
BBC News Brasil - Já sabemos o que foi possível salvar e o que se perdeu?
Sá Leitão - Uma parte do acervo não foi afetada - o que estava na parte chamada horto, que é toda a parte de botânica.
A biblioteca central, com cerca de 500 mil livros, e uma parte do acervo de arqueologia foram poupados, mas, do que estava no prédio central, boa parte se perdeu. Estamos começando a fazer esse inventário e identificar o que não pode ser recuperado.
*Colaborou André Shalders, da BBC News Brasil em São Paulo
Imagens vide: "BUDA MENDES/GETTY IMAGES", "TOMAZ SILVA/AGÊNCIA BRASIL", "BUDA MENDES/GETTY IMAGES" e "BUDA MENDES/GETTY IMAGES" respectivamente.
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https://www.bbc.com/portuguese/brasil-45398965
Publicado dia 4 setembro 2018, às 07:55:22 e atualizado às 08:09:03.
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[Em entrevista à BBC News Brasil, o ministro da Cultura, Sérgio Sá Leitão, culpou os governos do PT e a UFRJ pela situação do museu e a escassez de investimentos]
Há mais de uma década que pesquisadores alertam para a falta de recursos e a precariedade do prédio do Museu Nacional, que até ser destruído pelo incêndio de domingo abrigava o maior acervo científico do Brasil. Mas a quem cabia tomar uma providência para evitar a tragédia?
Em entrevista à BBC News Brasil, o ministro da Cultura, Sérgio Sá Leitão, culpou os governos que "levaram o país à pior recessão da história", em referência ao Partido dos Trabalhadores (PT), e a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) pela situação do museu e a escassez de investimentos.
O Museu Nacional é vinculado à UFRJ, que, por sua vez, é mantida com recursos do governo federal.
"De dois anos para cá, repasses foram reduzidos em várias áreas porque os governos anteriores quebraram o Brasil. Agora, é importante dizer que quem determinava quanto ia ao Museu Nacional era a UFRJ, não era o governo federal nem o Ministério da Educação", disse. A BBC News Brasil tentou contato com a assessoria da UFRJ, que não respondeu até a publicação desta reportagem.
Questionado se o atual governo federal não teria parcela da responsabilidade diante da estagnação no orçamento da UFRJ, ele ressaltou que ajudou na negociação dos R$ 21 milhões que o Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES) liberaria em novembro para renovar o museu.
"Eu acho que esses problemas foram historicamente ignorados, mas não no meu período como ministro da Cultura. Nós tentamos ajudá-los a achar fundos para viabilizar a revitalização da instituição. E conseguimos os R$ 21 milhões para a revitalização, mas infelizmente o contrato foi assinado no dia 6 de junho, e o dinheiro não chegou antes do que aconteceu ontem."
[Para ministro da Cultura, museu e universidade deveriam ter corrido atrás de outras fontes de financiamento]
Nos últimos dois anos, os gastos da UFRJ ficaram estagnados. Em 2016, a universidade gastou R$ 3,9 bilhões. Em 2017, foram liquidados cerca de R$ 4 bi - em valores já corrigidos pela inflação. Neste ano, até agora os gastos foram de R$ 2,45 bilhões, segundo dados do Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (Siafi) levantados pela BBC News Brasil.
Já os gastos totais do Museu Nacional caíram de R$ 480 mil em 2016 para R$ 445,5 mil em 2017, em valores corrigidos pela inflação. Em 2018, o Museu Nacional gastou R$ 268,4 mil até o começo de agosto.
Para o ministro Sá Leitão, museu e universidade deveriam ter corrido atrás de outras fontes de financiamento.
"Eles poderiam ter tentado atrair empresas privadas, poderiam tentar financiamentos ou operações de venda de imóveis e terrenos. É fácil transferir a responsabilidade para os outros, mas se você gerencia algo, você é responsável por isso."
Na noite de segunda-feira, Sá Leitão, ao lado do ministro da Educação, Rossieli Soares, anunciou a liberação imediata de R$ 10 milhões à UFRJ para a realização de obras emergenciais no museu para garantir a segurança e preservação da estrutura do prédio.
Leia, a seguir, trechos da entrevista:
BBC News Brasil - Ao longo de vários anos, diversos relatórios apontaram para as precariedades do prédio do Museu Nacional e a falta de investimentos. Um Relatório de 2016 da Biblioteca Nacional, por exemplo, falou do risco de que parte do teto caísse sobre a cabeça dos pesquisadores. Esses problemas não foram ignorados pelos governos anteriores e por este?
Sérgio Sá Leitão - Eu acho que esses problemas foram historicamente ignorados, mas não no meu período como ministro da Cultura.
O Museu Nacional é gerenciado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Nós tentamos ajudá-los a achar fundos para viabilizar a revitalização da instituição.
Conseguimos os R$ 21 milhões para a revitalização, mas infelizmente o contrato foi assinado no dia 6 de junho, e o dinheiro não chegou antes do que aconteceu ontem. Fiz o que estava ao meu alcance, mas não posso responder por administrações anteriores.
BBC News Brasil - Em 2004, o então secretário de Energia do Estado do Rio disse que o prédio pegaria fogo eventualmente. Mas o que vemos são as diferentes esferas da administração empurrando responsabilidade uma para a outra. De quem é, então, a responsabilidade neste caso?
Sá Leitão - Os gestores têm responsabilidade direta sobre aquilo que é da sua competência. Nessa gestão do Ministério da Cultura, nós somos parte da solução, não parte do problema.
Estamos resolvendo problemas criados em gestões anteriores. Estamos viabilizando obras que estavam paradas e se arrastavam desde 2009, 2010, 2011, saneando convênios parados há anos, pagando editais de 2013 que não foram pagos.
Temos um histórico de negligência, má gestão, populismo, e temos procurado resolver os problemas de maneira objetiva e concreta.
[Grande parte dos 20 milhões de itens guardados no Museu Nacional, que incluia a maior coleção egípcia da América do Sul, foi destruída no incêndio]
BBC News Brasil - Os repasses às universidades federais foram reduzidos ou ficaram estagnados nos últimos anos, inclusive aqueles direcionados à UFRJ, responsável pelo financiamento do Museu Nacional. O governo federal não tem responsabilidade, portanto?
Sá Leitão - De dois anos para cá, repasses foram reduzidos em várias áreas, porque os governos anteriores quebraram o Brasil.
Levaram o país à pior recessão da história, em 2015 e, em 2016, ao maior déficit fiscal da história. É uma grande situação de descalabro.
Isso fez com que a capacidade de investimento do governo federal fosse reduzida. Várias medidas foram tomadas no sentido de fazer o Estado brasileiro retomar a capacidade de investimento, mas isso é um processo.
Ainda estamos pagando o descalabro das gestões anteriores. Agora, é importante dizer que quem determinava quanto ia ao Museu Nacional era a UFRJ, não era o governo federal nem o Ministério da Educação. O governo federal determinava quanto a UFRJ receberia. Agora, quanto seria destinado para o Museu Nacional, era do âmbito da esfera da UFRJ.
BBC News Brasil - Mas tendo menos recursos do governo federal para UFRJ, é natural imaginar que haveria menos repasses da UFRJ ao museu...
Sá Leitão - Se em menos de um ano nós conseguimos obter R$ 21,7 milhões para o Museu Nacional (em financiamento do BNDES), por que a diretoria da universidade não foi atrás desse dinheiro antes?
Eles poderiam ter tentado atrair empresas privadas, poderiam tentar financiamentos ou operações de venda de imóveis e terrenos. É fácil transferir a responsabilidade para os outros, mas, se você gerencia algo, você é responsável por isso.
[Na noite de segunda, governo anunciou liberação de R$ 10 milhões para a realização de obras emergenciais no prédio]
BBC News Brasil - Especialistas criticam o uso da Lei Rouanet dizendo que um volume maior desses recursos deveria ir para recuperação de patrimônio histórico. O senhor sempre defendeu que os recursos do incentivo fiscal fossem para usados projetos com valor artístico, mas também comercial. Como vê essa crítica?
Sá Leitão - Acho que é uma crítica que não procede e que está baseada na falta de números e de compreensão sobre o funcionamento dos mecanismos.
O fato é que, apenas via Lei Rouanet, já tivemos um investimento de mais de R$ 500 milhões em restauração de patrimônio histórico e museus desde o início do funcionamento da lei.
Além disso, temos feito um investimento direto significativo se levarmos em conta o quadro de déficit. Investimos R$ 193 milhões em patrimônio histórico no ano passado e esse ano foram R$ 170 milhões. Providências têm sido tomadas. Projetos de renovação de museu incorporam a necessidade de um plano de gestão de risco que precisa ser aprovado. Agora, obviamente temos um imenso déficit para dar conta.
BBC News Brasil - Do ponto de vista histórico, cultural e educacional, qual a dimensão dessa tragédia?
Sá Leitão - É uma das maiores tragédias que já tivemos no campo da cultura no Brasil.
A perda em relação ao acervo e o imóvel é imensa. Óbvio que o imóvel pode ser reconstruído, mas o acervo não pode ser recuperado.
BBC News Brasil - Já sabemos o que foi possível salvar e o que se perdeu?
Sá Leitão - Uma parte do acervo não foi afetada - o que estava na parte chamada horto, que é toda a parte de botânica.
A biblioteca central, com cerca de 500 mil livros, e uma parte do acervo de arqueologia foram poupados, mas, do que estava no prédio central, boa parte se perdeu. Estamos começando a fazer esse inventário e identificar o que não pode ser recuperado.
*Colaborou André Shalders, da BBC News Brasil em São Paulo
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Imagens vide: "BUDA MENDES/GETTY IMAGES", "TOMAZ SILVA/AGÊNCIA BRASIL", "BUDA MENDES/GETTY IMAGES" e "BUDA MENDES/GETTY IMAGES" respectivamente.
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Verba usada no Museu Nacional em 2018 equivale a 2 minutos de gastos do Judiciário e 15 minutos do Congresso
Este texto foi escrito por André Shalders - @andreshalders da BBC Brasil em São Paulo.
Mesmo detendo um acervo de 20 milhões de itens, o Museu Nacional custava muito pouco para o governo federal - especialmente quando seus custos são comparados a outros da máquina pública.
Os R$ 268,4 mil gastos pelo Museu em 2018 até agora equivalem, por exemplo, a menos de 15 minutos de gastos do Congresso Nacional em 2017, por exemplo - Câmara e Senado custaram R$ 1,16 milhão por hora no ano passado, segundo levantamento da Ong Contas Abertas, especializada em acompanhar os gastos do governo.
Todos os dados relativos ao Museu Nacional nesta reportagem foram levantados pela reportagem da BBC News Brasil por meio do Siafi.
A comparação com o Poder Judiciário é ainda mais desfavorável: os mesmos R$ 268,4 mil seriam capazes de manter a máquina judiciária funcionando durante menos de 2 minutos em 2017 - no ano passado, a Justiça brasileira custou R$ 90,8 bilhões, segundo o relatório Justiça em Números, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
De tudo que foi gasto pelo Museu Nacional este ano, uma parcela muito pequena - R$ 31,3 mil - foi usada para manutenção física e reformas do prédio onde a instituição funcionava, no parque da Quinta da Boa Vista, no Rio.
Ali perto, o estádio do Maracanã consumiu cerca de R$ 1,3 bilhão em sua última reforma, cujo objetivo era prepará-lo para a Copa de 2014. O total gasto com a reforma do Maracanã é 5.022 vezes maior que o gasto pelo Museu Nacional até agora em 2018.
Em 2017, o Museu teve gastos da ordem de R$ 413 mil. É muito se comparado aos gastos de uma família, mas uma quantia muito modesta diante do Orçamento da União.
E é muito pouco mesmo na comparação com as cifras da corrupção no Brasil: o ex-diretor da Petrobras Pedro Barusco poderia "manter" a instituição durante 640 anos - em valores de 2017 - com os R$ 267 milhões que ele devolveu como parte de seu acordo de delação premiada, em 2017.
O mesmo valor de R$ 413 mil é também 15 vezes menor que os R$ 6,5 milhões que o ex-governador do Rio, Sérgio Cabral, e sua esposa Adriana Ancelmo gastaram com a compra de joias de 2000 a 2016.
O maior baque ocorreu entre os anos de 2013 e 2015 - os gastos do museu caíram de R$ 1,04 milhão em 2013 para apenas R$ 397,4 mil em 2015 (em valores corrigidos pela inflação). Nos anos seguintes, esta capacidade se recuperou um pouco, mas continua baixa. Foram R$ 480 mil em 2016, em valores corrigidos pela inflação, e R$ 445 mil em 2017.
Embora o orçamento do museu ao longo dos anos tenha sido um pouco maior do que isto, os gastos efetivos da instituição são o mais importante se ser avaliado - no sistema brasileiro, o orçamento corresponde a uma autorização para gastar.
Em 2018, por exemplo, foram gastos apenas R$ 31,3 mil com manutenção - o orçamento destinado à rubrica este ano era de cerca de R$ 50 mil. Por outro lado, este ano o Museu usou R$ 188 mil para realizar eventos na casa.
Imagens vide: "REUTERS", "AFP" e "EPA" respectivamente.
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[Museu arde em chamas no domingo: gastos com manutenção são mínimos há anos]
Mesmo detendo um acervo de 20 milhões de itens, o Museu Nacional custava muito pouco para o governo federal - especialmente quando seus custos são comparados a outros da máquina pública.
Os R$ 268,4 mil gastos pelo Museu em 2018 até agora equivalem, por exemplo, a menos de 15 minutos de gastos do Congresso Nacional em 2017, por exemplo - Câmara e Senado custaram R$ 1,16 milhão por hora no ano passado, segundo levantamento da Ong Contas Abertas, especializada em acompanhar os gastos do governo.
Todos os dados relativos ao Museu Nacional nesta reportagem foram levantados pela reportagem da BBC News Brasil por meio do Siafi.
A comparação com o Poder Judiciário é ainda mais desfavorável: os mesmos R$ 268,4 mil seriam capazes de manter a máquina judiciária funcionando durante menos de 2 minutos em 2017 - no ano passado, a Justiça brasileira custou R$ 90,8 bilhões, segundo o relatório Justiça em Números, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
[Apenas as paredes do Museu Nacional continuam de pé]
De tudo que foi gasto pelo Museu Nacional este ano, uma parcela muito pequena - R$ 31,3 mil - foi usada para manutenção física e reformas do prédio onde a instituição funcionava, no parque da Quinta da Boa Vista, no Rio.
Ali perto, o estádio do Maracanã consumiu cerca de R$ 1,3 bilhão em sua última reforma, cujo objetivo era prepará-lo para a Copa de 2014. O total gasto com a reforma do Maracanã é 5.022 vezes maior que o gasto pelo Museu Nacional até agora em 2018.
Em 2017, o Museu teve gastos da ordem de R$ 413 mil. É muito se comparado aos gastos de uma família, mas uma quantia muito modesta diante do Orçamento da União.
E é muito pouco mesmo na comparação com as cifras da corrupção no Brasil: o ex-diretor da Petrobras Pedro Barusco poderia "manter" a instituição durante 640 anos - em valores de 2017 - com os R$ 267 milhões que ele devolveu como parte de seu acordo de delação premiada, em 2017.
O mesmo valor de R$ 413 mil é também 15 vezes menor que os R$ 6,5 milhões que o ex-governador do Rio, Sérgio Cabral, e sua esposa Adriana Ancelmo gastaram com a compra de joias de 2000 a 2016.
Verbas em queda livre desde 2013
As causas do incêndio que destruiu o Museu neste domingo ainda não são conhecidas. Mas as dificuldades orçamentárias e investimentos mínimos em manutenção, reparos e segurança vêm sendo relatados por funcionários da instituição há décadas.
[Bombeiros levaram várias horas para controlar o fogo na noite deste domingo]
O maior baque ocorreu entre os anos de 2013 e 2015 - os gastos do museu caíram de R$ 1,04 milhão em 2013 para apenas R$ 397,4 mil em 2015 (em valores corrigidos pela inflação). Nos anos seguintes, esta capacidade se recuperou um pouco, mas continua baixa. Foram R$ 480 mil em 2016, em valores corrigidos pela inflação, e R$ 445 mil em 2017.
Embora o orçamento do museu ao longo dos anos tenha sido um pouco maior do que isto, os gastos efetivos da instituição são o mais importante se ser avaliado - no sistema brasileiro, o orçamento corresponde a uma autorização para gastar.
Gastos com manutenção: só R$ 252 mil desde 2014
Outra coisa que chama a atenção nos gastos do Museu Nacional é o quão pouco a instituição gastava efetivamente para renovar sua estrutura física. Desde 2014, o Museu Nacional gastou apenas R$ 252 mil para tal fim. A última reforma relevante foi em 2014: uma reforma na estrutura de refrigeração da Biblioteca Central.Em 2018, por exemplo, foram gastos apenas R$ 31,3 mil com manutenção - o orçamento destinado à rubrica este ano era de cerca de R$ 50 mil. Por outro lado, este ano o Museu usou R$ 188 mil para realizar eventos na casa.
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Imagens vide: "REUTERS", "AFP" e "EPA" respectivamente.
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'Daqui a três dias, infelizmente, já cairá no esquecimento', diz ex-diretor do Museu da Língua Portuguesa sobre comoção com incêndio
Este texto foi escrito por Edison Veiga De Paris para a BBC News Brasil:
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-45377311
O produtor cultural e bacharel em Direito Antonio Carlos Sartini reviveu os momentos mais tristes de sua vida quando viu as chamas que consumiam o Museu Nacional no Rio de Janeiro. Em 21 de dezembro de 2015, ele era diretor do Museu da Língua Portuguesa, instituição cultural do bairro da Luz, em São Paulo, que também sofreu um incêndio de grandes proporções - o museu ainda não foi reaberto ao público.
Há uma diferença fundamental: ao contrário do museu fluminense, cujo gigantesco acervo era composto de peças únicas e que jamais serão repostas, a instituição paulistana, pela própria natureza, continha um material que pode ser reproduzido. O Museu da Língua Portuguesa, afinal, fora criado com essa premissa: seu acervo é a própria língua portuguesa, imaterial, e o material expositivo sempre foi baseado em reproduções, muitas vezes multimídia.
Sartini, na qualidade de ex-diretor do Museu da Língua Portuguesa, conversou com a reportagem da BBC News Brasil a respeito da tragédia que destruiu o Museu Nacional.
BBC News Brasil - O senhor viveu situação semelhante há três anos. O que passa na cabeça de um diretor de museu quando o prédio está em chamas?
Antonio Carlos Sartini - Passam tantas coisas na cabeça de um brasileiro que preza pela cultura e pela sua história, tantos pensamentos. Primeiro, uma tristeza muito grande, que beira quase uma raiva: a de perdermos um acervo tão importante. Em seguida, vem a reflexão: este acervo, do Museu Nacional, era ligado a uma universidade federal. É isso que vem sendo feito com nossas universidades federais?
BBC News Brasil - Como o senhor compara o ocorrido agora com o que aconteceu no Museu da Língua Portuguesa?
Sartini - É importante lembrar que eu era diretor-técnico do Museu da Língua Portuguesa. Havia uma equipe específica no museu para a infraestrutura e salvaguarda.
BBC News Brasil - Mas, como diretor, o que o senhor pensou na época?
Sartini - Não existem palavras que possam definir ou que possam realmente espalhar o que sente um diretor de uma instituição museológica, o que pensa um diretor de museu, quando vê sua instituição sendo consumida pelas chamas. Imagino a situação do Museu Nacional. Em nosso acervo, no Museu da Língua, o conteúdo não era material, pois tudo estava preservado em registro de áudio e vídeo. Tivemos uma perda humana, um bombeiro civil que trabalhava conosco. Mas eu imagino a situação do diretor do Museu Nacional. Deu sua vida, lutou, batalhou pela preservação, da melhor maneira possível de itens importantíssimos do acervo - e todos esses itens acabaram consumidos em questão de minutos, horas. Por um incêndio. Uma sensação que eu acho absolutamente inexplicável.
BBC News Brasil - O Brasil vive um momento de crise econômica e política. Como imaginar investimentos em cultura em um cenário como o atual?
Sartini - Todos sabemos que o País vive uma crise sem precedentes. Ontem mesmo vi publicado nas redes sociais um quadro com os investimentos feitos no Museu Nacional, com recursos dos últimos anos. Não sei se os dados eram verdadeiros ou não. Mas só de olharmos aquele quadro já conseguimos ter um bom entendimento do que acontece, da falta de recursos financeiros.
BBC News Brasil - E tudo isso ainda considerando um prédio histórico...
Sartini - Um prédio antigo, com falta de investimentos. Em edifícios históricos, investimentos precisam sempre ser feitos e refeitos. Há toda uma questão de equipamentos, de segurança contra incêndios, de capacitação de funcionários que trabalham em prevenção e manutenção de equipamentos. O Brasil é um país que prefere investir milhões em novos museus em vez de olhar para os que já existem.
BBC News Brasil - O sentimento é que não se olha para o que já existe?
Sartini - No próprio Rio de Janeiro há bons exemplos de instituições que foram recém-inauguradas, com arquiteturas fantásticas, arquitetos estrangeiros. Verdadeiras obras-primas. Ao mesmo tempo, se esquece daqueles museus que fazem parte da nossa história, que fazem parte do nosso dia a dia, que abrigam nossa memória. Essa é uma grande falha dos administradores culturais, dos nomes responsáveis pela cultura no Brasil inteiro. Todos procurando novidades. Museus e equipamentos culturais novos aparecendo em todos os lugares, cheios de tecnologias, enquanto aqueles mais antigos, que abrigam a nossa história, estão esquecidos, no anonimato. Isto é muito grave. Acredito que estamos em um belo momento para se pensar em uma mudança de políticas públicas e culturais.
BBC News Brasil - O sentimento é de tristeza, impotência?
Sartini - É uma tristeza muito grande estarmos perdendo, dia a dia, nossa memória, nosso rico patrimônio. E pensarmos que este acervo estava sob a guarda de uma universidade federal e de uma universidade do Rio de Janeiro. Precisamos repensar as políticas públicas de educação, construídas ao longo de décadas neste país. Vimos a criação de uma série de universidades federais novas e importantes, mas o esquecimento total, a penúria, daquelas que já existiam. Ao mesmo tempo, uma série de museus novos, de encher os olhos, que atraem turistas e permitem aos patrocinadores a exposição da marca, que acabam viabilizando negócios aos milhões. Mas que acabam desviando recursos de instituições tradicionais, que merecem e precisam da nossa atenção. Foi um pouco da História do Brasil que se consumiu naquelas chamas.
BBC News Brasil - Acredita que esta comoção pode trazer algum resultado?
Sartini - Em tragédias sempre vemos uma grande comoção, atualmente nas redes sociais, muitas manifestações e isto é importante. Muita indignação. Daqui a três dias, infelizmente, já cairá no esquecimento. É preciso uma postura mais firme, cobrando dos governos federal, estadual e municipal. Estamos em período eleitoral. E chegou a hora de falarmos um 'basta' para os políticos que vierem com projetos de novas obras, novas instituições. Não queremos mais. Queremos que eles olhem pelo que já existe e que não está sendo cuidado. Queremos que os recursos sejam utilizados para recuperar patrimônios como o Museu Nacional. Chegou o momento de mudar a política pública e o comportamento das pessoas, principalmente daqueles que têm a responsabilidade da cultura neste País.
BBC News Brasil - De modo prático: o que fazer para evitar tragédias como a do Museu Nacional ou mesmo do Museu da Língua?
Sartini - Sem dúvida nenhuma, investimento. E investimento adequado. Digo, capacitação de mão de obra, em todos os níveis. E acho que esta mudança de postura tanto por parte daqueles que fazem nossas políticas públicas como da parte das pessoas que atuam na área pública. É preciso um 'chega'. Não precisamos de mais teatros, mais museus, mais lindas e mirabolantes bibliotecas. É o momento de pararmos. Diante de uma crise profunda que o país vive e continuará vivendo nos próximos anos, é hora de fazermos uma análise de como estão os equipamentos culturais.
BBC News Brasil - Não precisamos de novidades, é isso?
Sartini - É esta a questão: precisamos de novidade ou é melhor cuidar daquilo que nós temos, olhar com uma lupa como estão nossas instituições culturais, nossos acervos, nossa história, nossa memória? Vamos parar de ser um país de novidades e pensar um pouco a nossa História. Mais do que nunca é isto que é extremamente importante.
Imagens vide: "GETTY IMAGES", "GETTY IMAGES" e "GETTY IMAGES" respectivamente.
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[Museu fluminense tinha acervo composto de peças únicas, que jamais serão repostas]
O produtor cultural e bacharel em Direito Antonio Carlos Sartini reviveu os momentos mais tristes de sua vida quando viu as chamas que consumiam o Museu Nacional no Rio de Janeiro. Em 21 de dezembro de 2015, ele era diretor do Museu da Língua Portuguesa, instituição cultural do bairro da Luz, em São Paulo, que também sofreu um incêndio de grandes proporções - o museu ainda não foi reaberto ao público.
Há uma diferença fundamental: ao contrário do museu fluminense, cujo gigantesco acervo era composto de peças únicas e que jamais serão repostas, a instituição paulistana, pela própria natureza, continha um material que pode ser reproduzido. O Museu da Língua Portuguesa, afinal, fora criado com essa premissa: seu acervo é a própria língua portuguesa, imaterial, e o material expositivo sempre foi baseado em reproduções, muitas vezes multimídia.
Sartini, na qualidade de ex-diretor do Museu da Língua Portuguesa, conversou com a reportagem da BBC News Brasil a respeito da tragédia que destruiu o Museu Nacional.
BBC News Brasil - O senhor viveu situação semelhante há três anos. O que passa na cabeça de um diretor de museu quando o prédio está em chamas?
Antonio Carlos Sartini - Passam tantas coisas na cabeça de um brasileiro que preza pela cultura e pela sua história, tantos pensamentos. Primeiro, uma tristeza muito grande, que beira quase uma raiva: a de perdermos um acervo tão importante. Em seguida, vem a reflexão: este acervo, do Museu Nacional, era ligado a uma universidade federal. É isso que vem sendo feito com nossas universidades federais?
BBC News Brasil - Como o senhor compara o ocorrido agora com o que aconteceu no Museu da Língua Portuguesa?
Sartini - É importante lembrar que eu era diretor-técnico do Museu da Língua Portuguesa. Havia uma equipe específica no museu para a infraestrutura e salvaguarda.
BBC News Brasil - Mas, como diretor, o que o senhor pensou na época?
Sartini - Não existem palavras que possam definir ou que possam realmente espalhar o que sente um diretor de uma instituição museológica, o que pensa um diretor de museu, quando vê sua instituição sendo consumida pelas chamas. Imagino a situação do Museu Nacional. Em nosso acervo, no Museu da Língua, o conteúdo não era material, pois tudo estava preservado em registro de áudio e vídeo. Tivemos uma perda humana, um bombeiro civil que trabalhava conosco. Mas eu imagino a situação do diretor do Museu Nacional. Deu sua vida, lutou, batalhou pela preservação, da melhor maneira possível de itens importantíssimos do acervo - e todos esses itens acabaram consumidos em questão de minutos, horas. Por um incêndio. Uma sensação que eu acho absolutamente inexplicável.
['Uma sensação que eu acho absolutamente inexplicável', diz ex-diretor de museu sobre incêndio]
BBC News Brasil - O Brasil vive um momento de crise econômica e política. Como imaginar investimentos em cultura em um cenário como o atual?
Sartini - Todos sabemos que o País vive uma crise sem precedentes. Ontem mesmo vi publicado nas redes sociais um quadro com os investimentos feitos no Museu Nacional, com recursos dos últimos anos. Não sei se os dados eram verdadeiros ou não. Mas só de olharmos aquele quadro já conseguimos ter um bom entendimento do que acontece, da falta de recursos financeiros.
BBC News Brasil - E tudo isso ainda considerando um prédio histórico...
Sartini - Um prédio antigo, com falta de investimentos. Em edifícios históricos, investimentos precisam sempre ser feitos e refeitos. Há toda uma questão de equipamentos, de segurança contra incêndios, de capacitação de funcionários que trabalham em prevenção e manutenção de equipamentos. O Brasil é um país que prefere investir milhões em novos museus em vez de olhar para os que já existem.
BBC News Brasil - O sentimento é que não se olha para o que já existe?
Sartini - No próprio Rio de Janeiro há bons exemplos de instituições que foram recém-inauguradas, com arquiteturas fantásticas, arquitetos estrangeiros. Verdadeiras obras-primas. Ao mesmo tempo, se esquece daqueles museus que fazem parte da nossa história, que fazem parte do nosso dia a dia, que abrigam nossa memória. Essa é uma grande falha dos administradores culturais, dos nomes responsáveis pela cultura no Brasil inteiro. Todos procurando novidades. Museus e equipamentos culturais novos aparecendo em todos os lugares, cheios de tecnologias, enquanto aqueles mais antigos, que abrigam a nossa história, estão esquecidos, no anonimato. Isto é muito grave. Acredito que estamos em um belo momento para se pensar em uma mudança de políticas públicas e culturais.
BBC News Brasil - O sentimento é de tristeza, impotência?
Sartini - É uma tristeza muito grande estarmos perdendo, dia a dia, nossa memória, nosso rico patrimônio. E pensarmos que este acervo estava sob a guarda de uma universidade federal e de uma universidade do Rio de Janeiro. Precisamos repensar as políticas públicas de educação, construídas ao longo de décadas neste país. Vimos a criação de uma série de universidades federais novas e importantes, mas o esquecimento total, a penúria, daquelas que já existiam. Ao mesmo tempo, uma série de museus novos, de encher os olhos, que atraem turistas e permitem aos patrocinadores a exposição da marca, que acabam viabilizando negócios aos milhões. Mas que acabam desviando recursos de instituições tradicionais, que merecem e precisam da nossa atenção. Foi um pouco da História do Brasil que se consumiu naquelas chamas.
['Em tragédias sempre vemos uma grande comoção, atualmente nas redes sociais, muitas manifestações e isto é importante. Muita indignaçãoo. Daqui a três dias, infelizmente, já cairá no esquecimento']
BBC News Brasil - Acredita que esta comoção pode trazer algum resultado?
Sartini - Em tragédias sempre vemos uma grande comoção, atualmente nas redes sociais, muitas manifestações e isto é importante. Muita indignação. Daqui a três dias, infelizmente, já cairá no esquecimento. É preciso uma postura mais firme, cobrando dos governos federal, estadual e municipal. Estamos em período eleitoral. E chegou a hora de falarmos um 'basta' para os políticos que vierem com projetos de novas obras, novas instituições. Não queremos mais. Queremos que eles olhem pelo que já existe e que não está sendo cuidado. Queremos que os recursos sejam utilizados para recuperar patrimônios como o Museu Nacional. Chegou o momento de mudar a política pública e o comportamento das pessoas, principalmente daqueles que têm a responsabilidade da cultura neste País.
BBC News Brasil - De modo prático: o que fazer para evitar tragédias como a do Museu Nacional ou mesmo do Museu da Língua?
Sartini - Sem dúvida nenhuma, investimento. E investimento adequado. Digo, capacitação de mão de obra, em todos os níveis. E acho que esta mudança de postura tanto por parte daqueles que fazem nossas políticas públicas como da parte das pessoas que atuam na área pública. É preciso um 'chega'. Não precisamos de mais teatros, mais museus, mais lindas e mirabolantes bibliotecas. É o momento de pararmos. Diante de uma crise profunda que o país vive e continuará vivendo nos próximos anos, é hora de fazermos uma análise de como estão os equipamentos culturais.
BBC News Brasil - Não precisamos de novidades, é isso?
Sartini - É esta a questão: precisamos de novidade ou é melhor cuidar daquilo que nós temos, olhar com uma lupa como estão nossas instituições culturais, nossos acervos, nossa história, nossa memória? Vamos parar de ser um país de novidades e pensar um pouco a nossa História. Mais do que nunca é isto que é extremamente importante.
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segunda-feira, 3 de setembro de 2018
Museu Nacional: fiação exposta, gambás e cupins entre os alertas ignorados que anunciavam tragédia
Esta matéria foi escrita por Nathalia Passarinho da BBC News Brasil em Londres:
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-45398964
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[Inspeção de 2004 já alertava para risco de incêndio no Museu Nacional. Nos anos que se seguiram, pedidos de investimentos foram feitos por funcionários]
Com a destruição do Museu Nacional, no Rio de Janeiro, que pegou fogo no domingo, a expressão "tragédia anunciada" é mais uma vez usada para definir um incêndio catastrófico no Brasil.
Embora investimentos na instituição tenham sido reduzidos drasticamente desde o início da crise política e econômica - especialmente em 2018 -, alertas sobre risco de fogo, infiltração, inundação e até queda de gesso sobre a cabeça dos funcionários do museu começaram há mais de uma década, muito antes da situação do país se deteriorar.
Ainda em 2004, já havia o temor de que o prédio pudesse pegar fogo. Em 2016, um relatório elaborado pelo setor da Biblioteca do museu apontava para diversos problemas de manutenção; e o diretor do museu deu diversas entrevistas ao longo dos últimos anos alertando para a decadência do prédio que abrigava o maior acervo científico do Brasil e que foi residência da família real portuguesa.
"O museu vai pegar fogo. São fiações expostas, mal conservadas, alas com infiltrações, uma situação de total irresponsabilidade com o patrimônio histórico." Foi assim que, em 2004, o então secretário de Energia, Indústria Naval e Petróleo do estado do Rio de Janeiro, Wagner Victer, atual secretário estadual de Educação, descreveu a situação do Museu Nacional, após fazer uma visita ao local.
Em entrevista à Agência Brasil, na ocasião, ele apontou a precariedade das instalações elétricas, a existência de fiações expostas e a ausência de um sistema de combate a incêndio. À BBC News Brasil, Victer afirmou que ficou assustado com os riscos de incêndio que presenciou, ao fazer uma visita aleatória ao local.
[Pesquisadores e funcionários correram ao museu para tentar resgatar o que podiam, enquanto o prédio ardia em chamas]
"Fiz uma visita e fiquei horrorizado com o que vi como engenheiro, por isso resolvi vir à público na época. Muita gente me criticou dizendo que eu estava dando opinião num assunto que não cabia a mim", afirmou. O Museu Nacional é vinculado à Universidade Federal do Rio de Janeiro, que é mantida com repasses do governo federal.
"Do ponto de vista de engenharia, é inaceitável que um prédio daquela magnitude não tenha sistema intergrado de sprinkler (equipamento que libera água ao detectar focos de incêndio), para contenção imediata de fogo, ainda mais tendo material inflamável dentro."
Mais de 10 anos depois, o Museu Nacional firmou um contrato de financiamento de R$ 21 milhões com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para, finalmente, investir em reestruturação e na construção de um sistema de combate a incêndio. Mas o dinheiro só seria liberado após as eleições de outubro.
"Isso é uma perda não só para a cultura, mas para a educação também. Que essa desgraça muitas vezes anunciada sirva como uma ação para rever os procedimentos nas centenas de prédios tombados e museus que estão em situação de abandono. Tem que ter sistemas modernos de prevenção de incêndio", afirmou à BBC News Brasil o secretário de Educação do RJ.
'Dejetos de animais, gambás, infiltrações e goteiras'
E os problemas reportados ano após ano pelos funcionários do museu e por inspeções externas não se limitavam ao risco de que o prédio pegasse fogo.O relatório de 2016 da Biblioteca do Museu mencionava "circunstâncias difíceis que perduram há anos". O documento cita infestação de animais e até o risco de queda do teto.
"O prédio da Biblioteca continua sofrendo com goteiras e infiltrações, principalmente na área de guarda do acervo", alertava o documento.
"Há morcegos e gambás nos forros e ferrugens nos ferros expostos das marquises, convivendo servidores e usuários com plásticos pretos sobre estantes inteiras e baldes por praticamente todos os espaços, dejetos de animais sobre as paredes e estantes e o risco de gesso ou pedaços de concreto caírem sobre alguém ou equipamentos."
[Relatório de 2016 da Biblioteca do Museu mencionava 'circunstâncias difíceis que perduram há anos']
Ataque de cupins
A situação era tão calamitosa que um ataque de cupins no final de 2017 impediu o acesso do público a uma das principais atrações do museu. Os insetos destruíram a base onde estava montado o Maxakalisaurus - o primeiro dinossauro de grande porte a ser montado no Brasil.
Para que a peça rara voltasse a ser exibida ao público, funcionários do museu e alunos de universidades organizaram uma campanha online para arrecadar fundos e viabilizar a reabertura da exposição, sem ter que depender da iniciativa do Poder Público.
Conseguiram R$ 58 mil - mais do que o total repassado em 2018 para a manutenção do museu todo.
Funcionários já haviam alertado para riscos em entrevistas
Além dos relatórios e inspeções, o apelo por investimentos e o alerta para as consequências do abandono do prédio foram feitos diversas vezes por funcionários e diretores do museu em entrevistas.Mais recentemente, a Sociedade Brasileira de Geologia manifestou preocupação com a deterioração do museu numa carta divulgada no dia 24 de agosto, após 49º Congresso Brasileiro de Geologia.
Na lista de prioridades defendidas pelos especialistas que assinaram o documento, "apoiar a luta do Museu Nacional por mais recursos para sua restauração e revitalização" aparecia em primeiro lugar.
Em maio, perto das comemorações de 200 anos do Museu Nacional, o diretor da instituição, Alexander Kellner, afirmou em entrevista à Folha de S.Paulo que seriam necessários R$ 300 milhões, a serem investidos ao longo de 20 anos, para que o prédio fosse completamente reformado a ponto de garantir segurança e a exposição das principais peças do acervo.
"O maior acervo é este prédio, um palácio de 200 anos em que morou d. João 6º, d. Pedro 1º, onde foi assinada a Independência. A princesa Isabel brincava aqui, no jardim das princesas, que não está aberto ao público porque não tenho condições", disse ao jornal, na ocasião.
O público tinha acesso a apenas 1% das 20 milhões de peças, por falta de investimentos que viabilizassem a exposição. O orçamento anual do museu caiu drasticamente nos últimos cinco anos, de R$ 531 mil, em 2013, para R$ 54 mil, em 2018.
O dinheiro é repassado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro que, por sua vez, é mantida com recursos do governo federal. O orçamento da UFRJ caiu cerca de 20% de 2014 a 2018, segundo informações publicadas no site da universidade.
'Capacidade reduzida de investimento'
Em entrevista à BBC News Brasil, o ministro da Cultura, Sérgio Sá Leitão, culpou os governos anteriores e a UFRJ pela situação de precariedade do museu. A BBC News Brasil entrou em contato com a assessoria da UFRJ, que não respondeu até a publicação desta reportagem."É importante frisar que o Museu Nacional não integra o sistema do Ministério da Cultura. Ele pertence à Universidade Federal do Rio de Janeiro. E as universidades têm autonomia administrativa, financeira e didática. O museu não integra o nosso organograma e orçamento", disse Sérgio Sá Leitão
Ao ser questionado pela BBC News Brasil se o governo federal não teria responsabilidade já que o orçamento da UFRJ foi reduzido durante o governo Michel Temer, ele afirmou:
"De dois anos para cá, repasses foram reduzidos em várias áreas porque os governos anteriores quebraram o Brasil. Levaram o país à pior recessão da história, em 2015 e 2016, ao maior déficit fiscal da história. É uma grande situação de descalabro. Isso fez com que a capacidade de investimento do governo federal fosse reduzido", justificou.
Sérgio Sá Leitão também afirmou que ajudou a negociar o financiamento de R$ 21 milhões do BNDES ao Museu Nacional, que sairia do papel em novembro.
"Quando eu assumi, o ministério em julho do ano passado, eu me dispus a ajudar o museu nacional, considerando toda a sua relevância. Graças a esse esforço coordenado, foi possível captar esse financiamento de 21 milhões para o projeto de revitalização", afirmou.
"Lamentavelmente, esse esforço não surtiu efeito a tempo. O projeto começaria a ser realizado agora."
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Imagens vide: "RICARDO MORAES/REUTERS", "RICARDO MORAES/REUTERS" e "BUDA MENDES/GETTY IMAGES" respectivamente.
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