domingo, 6 de maio de 2018

A Mãe



--Oh! Nosso Senhor não mo há-de levar! não é verdade?--


E o velho, que era a Morte, meneou a cabeça duma maneira estranha, em ar de dúvida. A mãe deixou pender a fronte para o chão, e as lágrimas corriam-lhe em fio pela cara. Sentiu-se estonteada com um grande peso de cabeça; estava sem dormir havia três dias e três noites. Passou ligeiramente pelo sono, durante um minuto, e despertou sobressaltada a tremer de frio.


--Que é isto! exclamou, lançando à volta de si o olhar alucinado. O berço estava vazio. O velho tinha-se ido embora, roubando-lhe a criança.


* * * * *


A pobre mãe saiu precipitadamente, gritando pelo filho. Encontrou uma mulher sentada no meio da neve, vestida de luto. «A Morte entrou-te em casa, disse-lhe ela. Via sair a correr levando teu filho. Anda mais depressa que o vento, e o que ela furta nunca o torna a entregar.»


--Por onde foi ela? gritou a mãe. Diz-mo pelo amor de Deus!»


--Sei o caminho por onde ela foi, respondeu a mulher vestida de preto. Mas só to ensino, se me cantares primeiro todas as canções que cantavas ao teu filho. São lindas, e tens uma voz harmoniosa. Eu sou a Noite e muitas vezes tas ouvi cantar, debulhada em lágrimas.


--Cantar-tas-ei todas, todas, mas logo, disse a mãe. Agora não me demores, porque quero encontrar o meu filho.--


A Noite ficou silenciosa. A mãe então, desfeita em lágrimas, começou a cantar. Cantou muitas canções, mas as lágrimas foram mais do que as palavras.


No fim disse-lhe a Noite: «Toma à direita, pela floresta escura de pinheiros. Foi por aí que a Morte fugiu com o teu filho.»


A mãe correu para a floresta; mas no meio dividia-se o caminho, e não sabia que direcção havia de seguir. Diante dela havia um matagal, cheio de silvas, sem folhas nem flores, de cujos ramos pendia a neve cristalizada.


* * * * *


--Não viste a Morte que levava o meu filho?» perguntou-lhe a mãe.


--Vi, respondeu o matagal, mas não te ensino o caminho, senão com a condição de me aqueceres no teu seio, porque estou gelado.»


E a mãe estreitou o matagal contra o coração; os espinhos dilaceraram-lhe o peito, donde corria sangue. Mas o matagal vestiu-se de folhas frescas e verdejantes, e cobriu-se de flores numa noite de Inverno frigidíssima, tal é o calor febricitante do seio d'uma mãe angustiosa.


E o matagal ensinou-lhe o caminho que devia seguir. Foi andando, andando, até que chegou à margem dum grande lago, onde não havia nem barcos, nem navios. Não estava suficientemente gelado para se andar por ele, e era demasiadamente profundo para o passar a vau. Contudo, querendo encontrar o seu filho, era necessário atravessá-lo. No delírio do seu amor, atirou-se de bruços a ver se poderia beber toda a água do lago. Era impossível, mas lembrava-se que Deus, por compaixão, faria talvez um milagre.


--Não! não és capaz de me esgotar, disse o lago. Sossega, e entendamo-nos amigavelmente. Gosto de ver pérolas no fundo das minhas águas, e os teus olhos são dum brilho mais suave do que as pérolas mais ricas que eu tenho possuído. Se queres, arranca-os das órbitas à força de chorar, e levar-te-ei à estufa grandiosa, que está do outro lado: essa estufa é a habitação da Morte; e as flores e as árvores que estão lá dentro, é ela quem as cultiva; cada flor e cada árvore é a vida duma criatura humana.»


--Oh! o que não darei eu, para reaver o meu filho!» disse a mãe. E apesar de ter já chorado tantas lágrimas, chorou com mais

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Quem isto ouvir e contar em pedra se há de tornar...